Por Robin Hilbert Loose
Agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
Os tubarões, junto com as raias e as quimeras, pertencem à classe Chondrichthyes, um grupo particular de animais aquáticos que possui esqueleto formado por cartilagem e ausência de bexiga natatória (órgão responsável pela flutuação dos peixes). Cerca de 1.220 espécies descritas compõem o grupo, com 520 espécies para tubarões e 650 para raias. Os tubarões são animais de alto sucesso evolutivo, sobrevivendo a vários eventos de extinção em massa por mais de 400 milhões de anos. No entanto, apesar desse sucesso, o risco de extinção dos Condrictes é relativamente alto se comparado com os demais vertebrados, especialmente devido à sobrepesca e degradação de habitat.
Em um primeiro momento, quando se fala em um tubarão, logo vem a imagem de um ser marinho de olhos negros e boca cheia de dentes, pronto para matar alguém. Mas isso não é verdade! No mundo inteiro são conhecidas cerca de 520 espécies de tubarões, distribuídos em todos os mares e oceanos, desde áreas costeiras até regiões oceânicas, do raso a grandes profundidades. Ocupam todos os ecossistemas possíveis, incluindo rios e lagos.
Os tubarões possuem diversos tamanhos e formas, com espécies medindo desde pouquíssimos centímetros até o gigante tubarão-baleia, que pode chegar a 18 metros. Apesar de sua má fama, a maioria dos tubarões não se alimenta de grandes animais, apenas de pequenos peixes, camarões, caranguejos e lulas. Os gigantes, tubarão-baleia e o tubarão-peregrino, se alimentam apenas de plâncton, em uma estratégia alimentar denominada filtração.
Os tubarões evoluíram inicialmente como pequenos predadores de áreas costeiras, onde a seleção favoreceu os indivíduos maiores, com crescimento contínuo, maturidade tardia e capacidade de tolerar ambientes profundos de áreas oceânicas. O grupo ocupou nichos previamente dominados por vertebrados predadores (hoje extintos) e influenciou na diversificação e distribuição de suas presas e concorrentes. Um espetacular exemplo foi o tubarão megalodonte Carcharodon megalodon (vivente entre 20 e 1,6 milhões de anos atrás), maior peixe predador já registrado, o qual pode ter influenciado em mudanças substanciais na história evolutiva de mamíferos marinhos.
Comparando com outros vertebrados marinhos, a evolução dos tubarões parece estável, com baixa taxa de extinção. Essa resiliência tem sido relacionada com a alta adaptabilidade evolutiva e sua ecologia generalista.
Os tubarões podem ser encontrados em profundidades desde a superfície até 3.700 metros abaixo da linha d’água. Todos são carnívoros, com tamanho corporal variando de 20 centímetros até 20 metros, apresentando variadas formas de obtenção de presas, mas com mínima variação nos aparatos alimentares. Alimentam-se desde plânctons (como o tubarão-baleia) a grandes mamíferos (exemplo tubarão-branco).
O centro para esse sucesso evolutivo é o mecanismo de captura de presas, que permitiu aos elasmobrânquios ocupar inúmeros nichos, podendo morder, succionar e filtrar as suas presas em conjunto com o movimento do predador até a sua presa. A presa apanhada é processada por vários mecanismos: sopro e aspiração para reposicionamento da presa, esmagamento, mordida e mordida com “chacoalhamento” da cabeça para desmembrar e arrancar grandes pedaços de animais.
O medo e a percepção errônea que tubarões são “matadores de humanos” podem levar a superestimar o risco de ser atacado em qualquer ambiente aquático através de eventos raros ou até nulos. Isso, involuntariamente, pode conduzir a uma aceitação de medidas de caça e pesca de tubarões, desconsiderando que esse grupo é um dos mais ameaçados do planeta.
O consumo de tubarões e a pesca excessiva
Os tubarões apresentam uma série de características biológicas complexas, principalmente em relação à reprodução. Em geral, são animais que vivem muito, têm uma maturidade sexual bem tardia (espécies que se tornam maduras acima dos 10 anos) e dão à luz a poucos filhotes. Por exemplo, recentemente foi descoberto que o tubarão-da-Groenlândia, o Somniosus microcephalus, é o vertebrado mais velho já conhecido, com uma fêmea de idade próxima aos 400 anos. Além disso, essa mesma espécie atinge maturidade com 150 anos de idade.
Infelizmente, essas particularidades da vida dos tubarões os enquadram como um dos vertebrados mais ameaçados da Terra. Os tubarões já não são mais os grandes predadores dos mares e, agora, o predador virou presa da pesca comercial. Isso mesmo, a pesca atua como um “predador de topo” que aumenta drasticamente a taxa de mortalidade dos tubarões, principalmente em razão do comércio das nadadeiras e da carne.
As nadadeiras estão entre as mais valiosas iguarias marinhas no mundo e são usadas na elaboração de uma sopa considerada um item alimentar de luxo e símbolo de riqueza no mercado asiático. Assim como outras espécies terrestres com história de vida semelhante e que são vítimas do comércio ilegal (pênis de tigres, chifre de rinocerontes, marfim de elefantes e outros), o alto valor das barbatanas incentiva a captura comercial, mesmo para espécies raras ou ameaçadas de extinção.
O comércio internacional de nadadeiras de tubarões tem sido a principal causa do recente aumento da sobrepesca de elasmobrânquios. Embora o comércio global dessa parte do animal esteja diminuindo desde a década de 2000, o comércio da carne aumentou 42% de 2000 a 2011, com o Brasil figurando como o maior importador do planeta. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), as frotas industriais e de pequeno porte em todo o mundo fornecem as nadadeiras ao mercado internacional, enquanto a carne dos mesmos tubarões capturados é desviada para atender a demanda de mercados emergentes.
O consumo da carne de cação ocorre em alguns países em desenvolvimento, como Sri Lanka, México e partes da África, os quais agregam esse item como parte de sua dieta e como fonte de proteína às comunidades mais pobres. Em contrapartida, em muitos países, a carne de tubarão é vista como de baixa qualidade, sendo necessário desvincular o nome “tubarão” ou “raia” da carne comercializada para superar o preconceito do consumidor.
A dieta das populações humanas resulta, em grande parte, das interações com recursos naturais e tem sido integrada a estudos sobre a pesca de pequena escala, especialmente no que diz respeito à resiliência e segurança alimentar, que podem estar associados à conservação. Dados pretéritos dão conta de que o Brasil vivenciou um aumento do consumo aparente anual de pescado, passando de 9,9 quilos per capita na década de 1960 para 19,7 quilos per capita em 2013. Isso se deve à suas características nutricionais e sua associação com a qualidade de vida, fatores que o fazem cada vez mais valorizado em todo o mundo. O valor nutricional e as características sensoriais do pescado, como odor, sabor, cor e textura, são fortes estimulantes na hora do consumo.
No Brasil, tubarões e algumas raias são comercializados sob o nome popular de “cação”, termo utilizado para rotular diversas espécies. Como as carcaças são cortadas antes de serem vendidas, é praticamente impossível saber qual espécie está sendo comercializada com base em características morfológicas. Assim, em regiões costeiras, geralmente ela é vendida na forma de filé ou posta, enquanto que em regiões não litorâneas e em grandes cadeias de supermercados, a carne é vendida em fatias (postas) grandes, congeladas, comumente importada de outros países. É uma carne considerada de baixo valor, se comparada aos peixes mais comuns (tilápia, salmão, linguado), e geralmente comercializada sem rotulagem adequada.
A falta de identificação, monitoramento efetivo e transferência de informações para a sociedade sobre o pescado e os frutos do mar, em especial de tubarões, têm afetado diretamente as tentativas de conservação das espécies, a gestão das pescarias comerciais, a manutenção de serviços ecossistêmicos e a preservação ambiental costeira.
Em muitos casos, o público tende a consumir um determinado peixe, acreditando ser outro e ignorando as consequências ambientais. Esse fato implica em diversas questões, principalmente nas decisões sobre a compra de um tipo de carne, como também é contra o Código de Defesa do Consumidor. Portanto, uma avaliação precisa tanto sobre o conhecimento público acerca dos produtos vendidos quanto do que realmente está sendo vendido é fundamental para auxiliar na conservação de espécies ameaçadas, além de garantir a venda de produtos confiáveis ao consumidor. Consequentemente, informações precisas e confiáveis poderão ser repassada de forma transparente à população, permitindo, assim, sua escolha quanto ao consumo ou não da carne de cação.
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