Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Hoje, a coluna Túnel do Tempo terá um texto especial, escrito pelo pesquisador Arthur Souza Brum, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que liderou o estudo sobre como a Histologia (uma ciência que estuda os tecidos orgânicos) nos ajudou a entender melhor a história de vida de três diferentes espécies de dinossauros brasileiros. Não esqueça de compartilhar o texto em suas redes sociais!
Com grandes tamanhos, vêm grandes questionamentos
Dentre todos os dinossauros, os saurópodes chamam a atenção por seu grande tamanho corporal, sendo eles os maiores vertebrados que já pisaram em Terra. Mas o grupo não começou grande. Ao longo de sua história evolutiva, as primeiras linhagens com mais de cinco toneladas — pequeno para o usual dentre os saurópodes — começaram a apresentar um aumento do tamanho corporal há aproximadamente 217 milhões de anos (no meio do Triássico Tardio). Mas foi com a diversificação dos neossaurópodes — um grupo de saurópodes que inclui formas bastante conhecidas, como o Apatosaurus e o Brachiosaurus — é que as primeiras espécies de grande tamanho apareceram e se estabeleceram, com linhagens passando com folga das 25 toneladas.
De todos os grupos dos neossaurópodes, os titanossauros são os mais diversos em quantidade de espécies e em padrões e tamanhos corporais. Os titanossauros abrangem tanto formas com pouco mais de seis metros de comprimento e 1-2 toneladas (como o Magyrasaurus e o Gondwanatitan) quanto formas gigantes, com mais de 25 metros de comprimento e passando das 30 toneladas (é o caso do Austroposeidon e o Argentinosaurus). O que nos leva a uma grande pergunta: como esses dinossauros cresceram tanto?
Para grandes questionamentos, vide nos pequenos detalhes
Para tentar responder perguntas como essa, a paleohistologia se destaca dentre as subáreas da Paleontologia. Basicamente, essa subárea tenta inferir padrões de crescimento e de fisiologia a partir das evidências da microestrutura óssea. Tudo isso é possível pois, assim como as árvores possuem seus anéis de crescimento, alguns ossos também possuem algo similar: as marcas e linhas de crescimento.
Para acessar essas informações, esses ossos fósseis são seccionados e, uma vez embutidos em resina, são fixados em lâminas e polidos até atingirem uma espessura micrométrica para serem observados por microscópio. Dentre os tipos de ossos, os apendiculares (como fêmur, úmero, rádio e tíbia) são os mais analisados para os neossaurópodes, pois seus crescimentos estão diretamente relacionados ao aumento de tamanho e ganho de massa do organismo, uma vez que precisavam suportar o peso do animal em vida.
Até então, o que a paleohistologia revelou a respeito dos saurópodes no geral é que, diferentemente do que se pensava, esses animais não cresciam de forma longeva e nem tinham um metabolismo lento (como lagartos, tartarugas e crocodilos), mas atingiam seu tamanho pleno em torno dos 30-40 anos de idade e tinham um metabolismo acelerado (como o dos mamíferos e aves atuais). Ou seja, mesmo formas gigantes, com mais de 30 toneladas, cresciam de forma acelerada e tinham um alto ganho de massa corporal ao longo de seu desenvolvimento. Mesmo assim, quando voltamos nossos olhos para os titanossauros, pouco sabemos do que difere seu padrão de crescimento em relação aos outros saurópodes. Neossaurópodes no geral sofrem de um processo chamado remodelamento ósseo, onde as marcas de crescimento em seus ossos apendiculares são modificados ao longo do tempo.
Mas nos titanossauros isso é pior: esse processo ocorre precocemente e muitas informações importantes são perdidas, como em quanto tempo esses animais atingiam a maturidade ou com que idade poderiam se reproduzir. Importante lembrar que esse processo de remodelamento ósseo não é exclusivo dos neossaurópodes e ocorre em seres humanos, sendo responsável por renovar nossos ossos de microfraturas, em decorrência do desgaste natural.
Uma possível solução para o problema da perda de informação devido ao remodelamento ósseo foi a análise de outros tipos de ossos. E foi exatamente isso que um estudo do neossaurópode Camarasaurus mostrou ao cortar suas costelas — que deixam marcas de crescimento e que não possuem um remodelamento tão intenso. Inspirado por esse tipo de análise, o mais recente estudo analisou diferenças em três espécies distintas de titanossauros brasileiros. Todas são provenientes de variadas localidades do nosso país, de diferentes tipos de titanossauros e de distintos tamanhos corporais, abrangendo o Gondwanatitan (seis a sete metros de comprimento), Maxakalisaurus (13 metros) e Austroposeidon (25 metros).
Para um grande caminho, um pequeno passo
Nossas análises revelaram que o padrão de crescimento dos titanossauros não é muito diferente das linhagens mais antigas dos neossaurópodes. O grande fator que diferencia seu desenvolvimento é o tempo. Conseguimos inferir que há dois padrões básicos de crescimento desses ossos: uma primeira fase com um pulso rápido de ganho de massa óssea, alternado com uma segunda fase de deposição mais moderada, dominada por marcas de crescimento cíclico—semelhantes a anéis de crescimento.
A primeira fase do crescimento é caracterizada por um tipo de tecido ósseo chamado de fibrolamelar, que possui muita atividade celular e uma alta taxa de deposição óssea. Já a segunda fase é caracterizada por tecido paralelo-fibroso, sobreposto posteriormente por um lamelar. Esses tipos de tecido possuem uma taxa de deposição óssea mais lenta do que a do fibrolamelar por terem células ósseas com padrões de alinhamento e serem menos vascularizados. Sendo assim, há uma alternância entre um período de crescimento ósseo intenso e outro mais lento, até atingir o crescimento pleno das costelas.
Nos titanossauros analisados, diferentemente dos neossaurópodes, a primeira fase é mais encurtada. Isso ficou bem evidente pela quantidade de marcas de crescimento. Os titanossauros apresentaram, no máximo, entre sete e 12 anéis de crescimento para Gondwanatitan e Maxakalisaurus respectivamente, enquanto nas linhagens mais antigas, como o Camarasaurus e Diplodocus, esse número varia entre 24 e 37. Mas o detalhe que mais chamou à atenção foram as costelas do Austroposeidon, que não chegaram a formar marcas de crescimento extensivas como nos outros, indicando que seria um indivíduo juvenil. Ou seja, essa espécie ainda cresceria mais que seus modestos 25 metros de comprimento. Além disso, os ossos analisados do Austroposeidon apresentaram uma primeira fase muito extensiva.
Com esses dados, pudemos concluir que o padrão de crescimento das costelas dos titanossauros possui uma alternância no tempo das diferentes fases de deposição óssea nas costelas, o que é diferente dos outros neossaurópodes. Essa é uma característica que pode ter relação com a plasticidade de tamanhos corporais observados no grupo, o que explica em parte as diferenças entre os três titanossauros analisados. Com isso, vemos que ossos diferentes podem nos dar outras pequenas pistas sobre como esses animais cresciam tanto em tão pouco tempo.
Referências
– Waskow K., Sander P.M., 2014. Growth record and histological variation in the dorsal ribs of Camarasaurus sp. (Sauropoda). Journal of Vertebrate Paleontology, 34:4, 852-869. Doi: https://dx.doi.org/10.1080/02724634.2014.840645
– Brum A.S., Bandeira K.L.N., Sayão J.M., Campos D.A., Kellner A.W.A, 2022. Microstructure of axial bones of lithostrotian titanosaurs (Neosauropoda: Sauropodomorpha) shows extended fast-growing phase. Cretaceous Research, in press. Doi: https://doi.org/10.1016/j.cretres.2022.105220
– Woodruff, D.C., Fowler, D.W., Horner, J.R., 2017. A new multi-faceted framework for deciphering diplodocid ontogeny. Palaeontologia Electronica, 20.3.43A: 1-53.
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