Por Juliana Lopes Vendrami¹ e Angeline Saucsen Weisheimer²
¹Bióloga e mestra em Ecologia. É analista portuária-bióloga na Portos do Paraná e integrante da REET Brasil
²Bióloga, mestra em Sistemas Costeiros e Oceânicos pela Universidade Federal do Paraná – Centro de Estudos do Mar, mergulhadora científica e integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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Vivemos na era da globalização, em que todo o planeta está interligado de diversas formas, seja econômica ou culturalmente. No aspecto econômico, os modais de logística de transportes (ferroviário, rodoviário, aéreo e aquaviário) desempenham papel fundamental nesse processo. Destes, o modal aquaviário é considerado o meio de transporte mais eficiente, dada a capacidade de transportar grandes quantidades de carga (um navio pode carregar até 300 mil toneladas de carga).
Para a movimentação das embarcações de carga, é utilizado o óleo combustível (bunker oil), fração residual do processo de refino do petróleo bruto que contém grande quantidade de impurezas, como enxofre, nitrogênio, oxigênio e metais. Esse óleo é extremamente viscoso, sendo necessário aquecê-lo para utilizá-lo como combustível (1). Apesar desse processo de aquecimento, o óleo combustível é relativamente barato e considerado adequado para a combustão de grandes motores marítimos (1).
Ao queimar o óleo combustível para o funcionamento dos motores dos navios, ocorre a liberação na atmosfera de diversos poluentes, como óxidos de enxofre (SOx) e óxidos nitrosos (NOx), além de gases de efeito estufa, como o gás carbônico. É estimado que o transporte marítimo seja responsável por 10-15% das emissões antropogênicas globais de SOx e NOx (2), e 3,3% das emissões de gás carbônico (3).
Os óxidos de enxofre e nitroso estão associados com problemas respiratórios (inclusive para os seres humanos), com a formação de smog e a acidificação dos oceanos (4). Já o gás carbônico (CO2) é um dos gases amplamente reconhecidos como responsáveis pelo efeito estufa. Em decorrência das atividades antrópicas, a emissão de CO2 para a atmosfera tem sido intensificada desde a Revolução Industrial (segunda metade do século 18), o que vem provocando efeitos negativos no clima global (como o calor extremo na Europa, que temos visto nos noticiários dos últimos dias). Além disso, o CO2 também interage com a superfície dos oceanos (dada a diferença de concentração do gás nos ambientes) sofrendo uma série de reações químicas, sendo o íon de hidrogênio (H+) um dos subprodutos e que causa a acidificação dos oceanos.
Os oceanos absorvem cerca de 30% do CO2 da atmosfera (5) e conforme aumenta a concentração desse gás na atmosfera, maior será a dissolução no oceano, resultando em maior concentração de H+ e, portanto, maior a acidificação do ambiente. Essa alteração tem implicações diretas para diversos organismos, como o plâncton, cetáceos, quelônios, peixes, crustáceos, anelídeos, corais, dentre outros.
O fitoplâncton (organismos fotossintetizantes que ficam na coluna d´água) representa a base de muitas teias alimentares do ambiente aquático, sendo composto predominantemente por diatomáceas. Além disso, as diatomáceas (Bacillariophyta) são responsáveis pela produção de oxigênio (O2) – cerca de 40% do total produzido no planeta – e pela retirada de dióxido de carbono (CO2), transportando para o fundo do oceano. Usam a sílica, presente nos oceanos pela decomposição de carapaças de diatomáceas “mortas”, para a construção de suas “novas” carapaças.
Com a acidificação do oceano, as carapaças das diatomáceas se dissolvem mais lentamente (o que anteriormente era visto como resistência desses organismos à acidificação e um ponto positivo). No entanto, já se sabe que é um problema. Como resultado, as diatomáceas afundam em camadas de água mais profundas, antes de se dissolverem e reciclarem a sílica. Isso resulta em escassez de sílica na camada superficial da zona fótica (6), onde é necessária para formar novas carapaças de diatomáceas, podendo eventualmente representar um problema sério para a produção de oxigênio. Estima-se que até 2200 ocorra uma perda de 26% de diatomáceas (7).
De forma a diminuir tais impactos do transporte aquaviário sobre o meio ambiente, a IMO (Organização Marítima Internacional), agência vinculada a Organização das Nações Unidas (ONU), instituiu a Marpol em 1973, que é a Convenção Internacional de Prevenção à Poluição por Navios, na qual o Brasil é signatário. A Marpol, no Anexo VI, inclui a determinação de que, a partir de 2020, os países signatários utilizassem óleo combustível com apenas 0,5% de enxofre, em detrimento dos 3,5% adotados anteriormente. A Petrobrás, já em outubro de 2019, começou a comercializar óleo combustível com 0,5% de enxofre. Além da redução da concentração de enxofre, outras ações, como novos filtros e tecnologias e a redução da velocidade dos navios, podem contribuir para diminuir os poluentes atmosféricos emitidos pelas embarcações.
Referências
1- Crist, P. (2009), Greenhouse Gas Emissions Reduction Potential from International Shipping, OECD/ITF Joint Transport Research Centre Discussion Papers, No. 2009/11, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/223743322616.
2- Sheppard, C. (2019), World Seas: an environmental evaluation. Volume III: Ecological issues and environmental impacts. Second Edition.
3- Cristea, A., Hummels, D., Puzzello, L., & Avetisyan, M. (2013). Trade and the greenhouse gas emissions from international freight transport. Journal of Environmental Economics and Management, 65(1), 153–173.
4- USEPA (United States Environmental Protection Agency), (2016) https://www.epa.gov/so2-pollution/sulfur-dioxide-basics#what is SO2 e https://www.epa.gov/no2-pollution/basic-information-about-no2#What is NO2.
5- NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) https://www.noaa.gov/education/resource-collections/ocean-coasts/ocean-acidification.
6- Petrou, K., Baker, K. G., Davidson, A. T. (2019), Acidification diminishes diatom silica production in the Southern Ocean. Nature Climate Change, 9, 781-786.
7- Helmholtz Centre for Ocean Research Kiel (GEOMAR). Decline of diatoms due to ocean acidification: Study shows unexpected negative impact by CO2 on important plankton group. ScienceDaily, 25 May 2022. <www.sciencedaily.com/releases/2022/05/220525182619.htm>.
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