
O problema se repete há anos: durante setembro e outubro uma quantidade assustadora de papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) recém-nascidos é coletada por traficantes de animais no Cerrado do Mato Grosso do Sul. É questão de dias para as pequenas aves, muitas ainda sem penas e com os olhos fechados, chegarem amontoadas e encaixotadas aos grandes centros urbanos do Sudeste, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo.
Apesar de os Sudeste ser o maior centro consumidor dos papagaios-verdadeiros, muitas aves também são levadas para outras regiões do país, como a Nordeste.
“A Polícia Rodoviária Federal no Ceará (PRF-CE) prendeu três suspeitos de crime ambiental na noite quarta-feira (1º), em Tiangua, na serra de Ibiapaba, interior do Ceará. Segundo a PRF-CE, os suspeitos estavam com um carregamento de 100 filhotes de papagaio.
Ainda de acordo com a PRF-CE, os três suspeitos foram presos durante uma fiscalização de rotina, na BR-222. Eles foram encaminhados para a Delegacia de Tianguá, vão responder por transporte de pássaros silvestres sem autorização e podem pegar de seis meses a um ano de prisão, além do pagamento de multa. Os animais foram levados pelo Ibama.” – texto da matéria “PRF prende três com carregamento de 100 filhotes de papagaios no CE”, publicada em 2 de outubro de 2014 pelo portal G1
A organização dos traficantes começa previamente à postura dos ovos, que ocorre cerca de 27 a 30 dias antes do nascimento. Os traficantes, paulistas na maioria, entram em contato com sitiantes, trabalhadores rurais e assentados que vivem na região próxima da divisa com o estado de São Paulo e encomendam a coleta dos filhotes. Oferecem cerca de R$ 30,00 por papagaio-verdadeiro, fecham negócio com esses moradores e acertam os detalhes finais, como a data de retirada. Para os sul-mato-grossenses envolvidos, o dinheiro é um complemento de renda. Para os paulistas, a venda é lucro certo, já que cada ave é comercializada no mercado negro como bicho de estimação por valores que variam entre R$ 150,00 e R$ 250,00. Os animais legalizados custam entre R$ 1.800,00 e R$ 2.500,00.
Combinados preços e prazos, os responsáveis por apanhar as aves buscam os ninhos em ocos de troncos e de galhos pelas fazendas e áreas com vegetação ainda preservada. A procura não é complicada, afinal os papagaios-verdadeiros são abundantes e normalmente botam seus ovos nos mesmos locais de anos anteriores. Com os ninhos identificados, basta esperar os nascimentos para a coleta, que muitas vezes tem as noites como aliadas.
Apesar de a região de apanha das aves e as rotas do tráfico serem conhecidas há anos, a fiscalização é insuficiente. As áreas onde estão os papagaios são amplas, de baixa concentração populacional e, muitas vezes, de difícil acesso. Os pequenos papagaios são transportados em condições precárias, amontoados em caixas onde permanecem por muitas horas sofrendo com a falta de alimentação e água, além do calor.
Cadeia é uma farsa
O tráfico de animais silvestres é o comércio, sem autorização legal, de animais e suas partes, como penas, peles, garras e ossos. O crime previsto no artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) tem pena de detenção de seis meses a um ano e envolve quem captura, transporta, armazena, vende e mantém os bichos em cativeiro.
Pelo fato de as penas serem inferiores a dois anos, os acusados são submetidos à Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e abre a possibilidade da transação penal (pagamento de cestas básicas ou trabalho comunitário) e a suspensão processo.
Mais de 38 milhões de animais silvestres – sem contar invertebrados e peixes – são retirados da natureza por ano no Brasil, de acordo com trabalho da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Entre 60% e 70% dos animais traficados são vendidos no próprio País. Mais de 80% dos bichos comercializados no mercado negro são aves.