Por Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
“Como bem ressaltou o Ministério Público Federal, ele era responsável pela captura, transporte, contatos com outros membros que estavam encarregados da divulgação de venda em redes sociais e arregimentação de compradores. A grande quantidade de animais capturados, as viagens a outros países, as tratativas desveladas pelas análises periciais no aparelho celular do denunciado demonstram a existência de um grupo organizado para a prática dos crimes de venda ilegal de animais.
Dessa forma, tenho como plenamente demonstrado que Kirill Sergeevich Kravchenko era uma peça central e chave na organização criminosa para o tráfico internacional de animais silvestres tendo se associado a inúmeras pessoas para consecução desse objetivo.”
O texto acima é parte da sentença proferida em 3 de dezembro pela juíza federal Ana Emilia Rodrigues Aires, da 1ª Vara Federal de Guarulhos, que condenou o biólogo russo Kirill Sergeevich Kravchenko a 11 anos de prisão, a serem cumpridos, inicialmente, em regime fechado. O traficante de fauna foi preso em 18 de junho, quando o ônibus em que estava foi parado na altura do km 207 da rodovia Presidente Dutra, em Seropédica (RJ), por uma equipe da Polícia Rodoviária Federal. Ele estava sendo monitorado pela Polícia Federal, que solicitou à Justiça a sua prisão preventiva, e foi surpreendido com 320 animais, entre lagartos, sapos, aranhas e insetos, seguindo do Rio de Janeiro (RJ) para Foz do Iguaçu (PR).
https://www.youtube.com/watch?v=5B2AHWEnpns
Animais apreendidos na mochila de Kravchenko no ônibus que seguia para Foz do Iguaçu (PR) – Imagens: Polícia Rodoviária Federal
Kravchenko tem 36 anos, alegou trabalhar em um laboratório de remédios veterinários e já havia sido detido outras duas vezes com animais da fauna silvestre brasileira. Em maio de 2017, ele foi surpreendido no aeroporto internacional de Amsterdã, durante uma escala de sua viagem entre o Brasil e São Petersburgo, na Rússia, onde tem residência. Em vasilhas plásticas que estavam na sua mochila, foram encontrados 26 jararacas, 10 sapos, 33 baratas e alguns lagartos.
Em 20 de janeiro deste ano, Kravchenko foi detido no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, quando tentava embarcar para a Rússia. O aparelho de raios-x localizou, na bagagem do biólogo, 294 animais, entre lagartos, sapos e aranhas. O Ibama já estava monitorando o russo desde a apreensão na Holanda. O caso foi registrado pela Polícia Federal e ele foi solto. Seu passaporte ficou retido para evitar a saída dele do Brasil durante as investigações.
As investigações
O telefone celular de Kravchenko foi um dos principais fornecedores de provas contra o traficante de animais. A Polícia Federal encontrou trocas de mensagens via WhatsApp entre o biólogo e interessados em comprar animais de diversos países, nos cinco continentes. “Foram identificadas inúmeras conversas de Kirill tratando do comércio de animais silvestres, coletados no Brasil e em diferentes partes do mundo, com interlocutores que indicam estarem localizados em países como Alemanha, Áustria, Bélgica, Camarões, Dinamarca, Espanha, França, Hungria, Indonésia, Itália, Letônia, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, China (Taiwan), China (Hong Kong) e Tanzânia, além da própria Rússia, o que demonstra a existência de um possível grupo criminoso com alcance internacional.”
Entre 48 anotações de transações comerciais envolvendo animais encontradas no celular de Kravchenko, chamou a atenção da Polícia Federal a de 29 de julho de 2019 que menciona cobras Bothrops marajoensis, uma serpente venenosa que existe somente na ilha de Marajó e em planícies costeiras do delta do rio Amazonas, no Pará.
Kravchenko percorria o Brasil em busca de animais, que eram coletados, inclusive, dentro de unidades de conservação de proteção integral, como parques nacionais. É o que a investigação da Polícia Federal indicou ter ocorrido quando o russo esteve no Parque Nacional da Serra Geral, na divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul, em janeiro deste ano, dias antes de ser preso no aeroporto. Parte dos animais apreendidos com ele tinha ocorrência na área protegida.
Interpol
Segundo investigações da Interpol, Kravchenko era o responsável por um estande da loja de venda de animais exóticos denominada Terraristika na feira de répteis de Hamm, na Alemanha. Essa feira é apontada como um dos maiores cetros de tráfico de répteis do mundo, onde colecionadores procuram por exemplares de espécies raras e ameaçadas de extinção. O russo também seria um dos administrados de um grupo privado no Facebook em que, até julho de 2020, 25 membros se comunicavam para a compra e venda de répteis e anfíbios raros.
A polícia internacional também têm informações das ações de Kravchenko na Espanha, no tráfico de iguanas do arquipélago de Galápagos (Equador) e em captura de lagartos em 2013 na Nova Zelândia.
Na sentença condenatória também foram citadas a atual esposa e a ex-esposa de Kravchenko, que seriam responsáveis pela divulgação de animais para venda em redes sociais. A atual mulher dele, Ekaterina Kravchenko, mantém um canal no YouTube com mais de um milhão de inscritos.
A principal alegação da defesa de Kravchenko durante o processo foi o desconhecimento da legislação brasileira pelo fato de ele ser russo. Entretanto, em seu interrogatório na Justiça, ao ser confrontado com o fato de ser reincidente, o russo não conseguiu sustentar a alegação de ignorância das leis e ficou em silêncio. Ele afirmou que pretendia levar os animais para a Rússia para reproduzi-los.
“Afasto, por fim, a tese defensiva apresentada em audiência, de que iria levar os animais não para a venda, mas para reproduzi-los na Rússia. Primeiro, porque segundo a listagem juntada pela própria defesa, há vários animais que também tem sua criação em cativeiro vedada na Rússia (entre eles, anfíbios venenosos, escorpiões, aranhas, etc.), a duas porque é absolutamente inverossímil que o réu pretendesse oferecer o mesmo habitat da mata atlântica brasileira aos animais em São Petersburgo, a não ser que tivesse um verdadeiro zoológico ou instituição congênere, pela quantidade e natureza dos animais coletados. Estamos a falar de 294 animais da primeira apreensão e 320 da segunda.”, destacou a juíza na sentença, que está disponível no site do Tribunal Federal Regional da 3ª Região.
Kravchenko, que está preso na Região Metropolitana de São Paulo, foi condenado por tentativa de exportação de mercadoria proibida; pela captura de animais silvestres em unidade de conservação; por transportar, manter em cativeiro, expor à venda e vender fauna silvestre sem autorização; por maus-tratos com o agravante de ter havido morte de animal; por expor a vida ou a saúde de outra pessoa a perigo direto e iminente (pelo fato de envolver animais venenosos) e por integrar organização criminosa.