Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Um dos pontos que sempre enfatizo nesta coluna é o conceito de soltura como sendo uma ação planejada e monitorada. Mas como fazer isso? Ou seja, qual seria um bom “plano” para uma ação de soltura?
O primeiro ponto a considerar é fazer um apanhado da literatura disponível, como os manuais de boas práticas publicados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) . Outra fonte importante é a seleção de trabalhos científicos sobre o tema, que apresentam orientações e resultados que podem servir de guia para uma ação de soltura. Ainda é possível buscar a orientação de profissionais especialistas sobre o assunto.
Uma vez que já se tenha as informações básicas, é preciso ter um foco na espécie que se destina ao projeto de soltura. Mesmo espécies comuns têm seus segredos e, mesmo sendo experiente no assunto, nem sempre as “coisas” saem como o esperado. Assim, é sempre importante considerar o estágio de desenvolvimento no qual se encontra o indivíduo e, claro, já ter uma prévia avaliação sanitária. Não é incomum animais serem destinados a soltura em grupo, com indivíduos em diferentes estágios de maturidade, situação que eleva o estresse dos animais, podendo ter consequências sanitárias negativas tanto a curto como a longo prazos.
Mas nada substitui uma clara avaliação sobre realidade na qual pretende-se soltar o animal. Quem faz soltura tem que, forçosamente, saber “ler” o meio ambiente. Dentro da avaliação de impacto ambiental existem diversas metodologias, sendo elas: Metodologias espontâneas (Ad hoc), Listagens (Check-list), Matrizes de interações, Redes de interações (Networks), Metodologias quantitativas, Modelos de simulação, Mapas de superposição (Overlays), Projeção de cenários, entre outras.
Ok, até agora estamos chovendo no molhado, pois todas essas informações são bem conhecidas. A questão mesmo é como adaptar tudo isso à realidade de cada soltura.
Um dos pontos considerado como maior fator restritivo a um bom planejamento para uma ação de soltura é a questão de recursos financeiros. Por exemplo, a soltura de um único mamífero de grande porte pode custar até R$ 250 mil por ano, considerando, entre outras coisas, viveiro de reabilitação, serviços veterinários e exames, sem contar os equipamentos e a equipe para monitoramento pós soltura. Claro, inviável pensar nesses valores para a soltura de animais mais comumente destinados ao retorno em vida livre. O irônico é que mesmo esses ditos “animais silvestres comuns” exigem as mesmas etapas de projetos mais complexos. Mas então, como superar essas dificuldades?
Volto ao tema do artigo de hoje: com um bom planejamento!
Elaborando, obtendo dados, avaliando os dados obtidos, buscando parcerias e trabalhando em escala. Pois uma vez que se estabelece um modo de “fazer” soltura e que comece a dar “resultados positivos”, isto é, animais são monitorados saudáveis no momento pós soltura e exibindo um comportamento compatível com ao da espécie, atinge-se um platô de estabilidade no saber fazer que permite até, caso seja esse o objetivo, galgar degraus mais altos na escala da soltura, como a reintrodução de espécies ou fazer um real reforço de ganho populacional para alguma espécie que esteja em declínio.
Então, voltando ao nosso plano…
Plano bom tem que ser escrito, lido e relido. Portanto, ponha no papel o seu plano.
Como primeiro item desse plano, a avaliação ambiental do local onde se pretende soltar o animal.
Na sequência, conheça e demonstre que você de fato conhece o animal que pretende soltar. Nessa parte, é preciso considerar em detalhes a biologia da espécie, isto é, como se alimenta e como seria a teia alimentar disponível a esse animal no local onde se pretende soltar. É preciso identificar quais seriam os principais fatores de risco para esse indivíduo nesse local. Um ponto que pode auxiliar nessa avaliação é o conhecimento sobre as populações de espécies correlatas a que se pretende soltar. No caso de avifauna, um importante aliado nessa pesquisa é o site e-Bird. Veja quem avistou o que, aonde e quando. Essas informações dão uma ótima ideia da abundância populacional da espécie que se pretende soltar e das espécies correlatas, que habitam, por exemplo, o mesmo nicho ecológico.
Por fim, defina como será feito o monitoramento pós soltura. E por mais que existam novas tecnologias para monitorar, nada supera o famoso “transecto” – andar em um determinado trecho com regularidade e método. Ouvir e enxergar na trilha é treino. Para saber o que acontece tem que fazer, fazer e fazer! Depois, registrar, registrar e registrar! É preciso comparar o ontem com o hoje para imaginar o que acontece amanhã. Somente com uma base confiável de dados obtidos com a mesma metodologia é possível fazer inferências que façam sentido para a conservação ambiental e da biodiversidade.
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