Bióloga com mestrado e doutorado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A paleontologia foi o foco de sua pesquisa no doutorado.
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Se você parar agora e refletir sobre a história de sua vida, facilmente perceberá ciclos de começos e fins ao longo dela. Em cada ciclo você tinha um determinado comportamento para reagir às diferentes forças externas que a vida impunha sobre seu existir e a cada mudança de ciclo, novas forças surgiam ou se modificavam assim como seus comportamentos. Analogamente, na história da vida do nosso planeta, podemos observar pelo menos cinco grandes ciclos de diversificação e extinção que se sucedem e representam essas diferentes pressões do mundo externo e como a vida reagiu a eles!
Hoje, nossa história começa a ser contada no período Permianoa, cerca de 260 milhões de anos atrás. Nesse período, todos os continentes do planeta estavam unidos formando uma única massa continental a qual denominamos de Pangeia. Nesse contexto, o que entendemos atualmente por América do Sul estava conectada ao norte com a América do Norte, a leste com a África e ao sul com a Antártica.
Nesse período, o planeta era dominado na terra por sinapsídeos (grupo de amniotas que possuem apenas uma fenestra craniana após as órbitas – nós, humanos, somos sinapsídeos!). Um grande predador sinapsídeo dessa época era o Pampaphoneus biccai que caçou pelas regiões que hoje conhecemos como o sul do Brasil. Mas além desses sinapsídeos de grande porte, tínhamos animais minúsculos que correspondem às espécies mais antigas que conhecemos dos Cynodontia. Mas o que são os cinodontes e qual a importância deles?
Bom, os cinodontes são uma linhagem bem abrangente de sinapsídeos e, dentro dessa linhagem, encontramos a linhagem que deu origem aos mamaliomorfos (grupo que contém a linhagem dos mamíferos). Basicamente, nós, mamíferos atuais, somos o resultado evolutivo de inúmeras linhagens e experimentações evolutivas dos cinodontes! Entender essas experiências, seus sucessos e suas extinções, é fundamental para entendermos a nossa história evolutiva. Então hoje falarei um pouco mais de alguns cinidontes não mamaliomorfos que viveram aqui no Brasil e o que aconteceu com essas linhagens.
No Brasil, todos os registros de cinodontes não mamaliomorfos estão restritos ao triássico do sul do país. Esse grupo, como mencionado, possui registros do Permiano, mas foi no Triássico (de ~237 a ~201 milhões de anos) que esses animais tiveram sua maior diversificação. A extinção Permiano-Triássico foi a pior extinção que temos conhecimento do nosso planeta! Cerca de 70% das espécies terrestres foram extintas e foi nessa terra arrasada que os arcossauros (linhagem que deu origem aos crocodilos e dinossauros) se tornaram o grupo dominante da época. No entanto, essas mudanças ambientais e faunísticas também favoreceram os cinodontes.
Nesse cenário de diversificação, tivemos animais do tamanho de um cachorro como o Siriusgnathus niemeyerorum. Essa linhagem também contava com animais bem pequenos, similares ao tamanho de um roedor pequeno, como as espécies de Brasilodontidae aqui exemplificadas pelos insetívoros Brasilodon quadrangularis (Figura 5) e Brasilitherium riograndensis.
Os Brasilodontodeos são tidos como o grupo irmão da linhagem que deu origem aos cinodontes mamaliomorfos, sendo, portanto, um dos grupos não mamaliomorfos mais relacionados a linhagem evolutiva que viria a dar origem a nossa espécie. Os mamaliomorfos têm seus registros mais antigos para o Triássico. Essas duas linhagens de cinodontes tiveram que enfrentar mudanças ambientais durante o Jurássico e tiveram respostas bastante diferentes para elas. No caso dos cinodontes não-mamaliomorfos, essas mudanças foram determinantes para sua extinção, enquanto para os cinodontes mamaliomorfos as linhagens da época foram capazes de se adaptar e se diversificar!
Uma das linhagens de cinodontes que também surgiu no Triássico foi a dos mamíferos, que passaram o Jurássico e Cretáceo se adaptando e ocupando os mais variados ambientes do planeta. No entanto, foi com a extinção do final do Cretáceo, cerca de 65 milhões de anos atrás, que os mamíferos foram capazes de se diversificar e dominar os mais variados ambientes dessa nova ambientação do planeta, seguindo com esse destaque até os dias de hoje – embora em termos de diversidade de animais terrestres, os dinossauros avianos, que também sobreviveram à extinção, foram os dominantes.
Toda essa ciclicidade em termos de modificação dos ambientes, que algumas vezes se dá de forma drástica e catastrófica, juntamente com a luta das formas de vida de cada época para sobreviverem a tais pressões, nos ajudam a compreender mais sobre as mudanças no planeta e como nossos ancestrais lutaram para se perpetuarem. Nesse contexto, nos tornamos mais cautelosos em avaliar os impactos de nossa existência nos ambientes que habitamos e no quanto estamos arbitrariamente interferindo na história evolutiva de inúmeras espécies que descendem de linhagens tão antigas quanto a nossa ou até mesmo mais velhas!
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