Bióloga, mestra em Biologia Animal e doutoranda em Biologia pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia: Diversidade e Manejo de Vida Silvestre na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
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As aranhas são a sexta maior ordem de invertebrados em termos de número de espécies conhecidas. Além disso, dentre as mais de 50 mil espécies de aranhas, ao longo da evolução delas, diferentes formas de estratégias para capturarem seus alimentos, nos diferentes ambientes, são estabelecidas. Esses animais são considerados predadores topo de cadeia e importantes controladores biológicos. Através da ecologia, alguns autores conseguiram entender esses mecanismos e as classificaram em diferentes guildas. Uma das definições de guilda é “um grupo de espécies, indiferente da afiliação taxonômica, que exploram a mesma classe de recursos alimentares de uma maneira similar”. (Root, 1967).
Primariamente, as aranhas foram classificadas em grupos das tecelãs e das caçadoras. Posteriormente, alguns autores criaram subcategorias nesses grupos e, atualmente, temos cerca de 11 guildas. Uma das guildas que mais chamam atenção, seja no meio urbano ou natural, é a guilda das tecelãs de teia em formato orbicular. No caso, a família Araneidae Clerck, 1757 (foto acima). Considerando que toda regra pode ter uma exceção, com as aranhas da família, não foi diferente. Algumas do gênero Mastophora Holmberg, 1876, as quais são conhecidas popularmente como aranha-boleadeira, ou seja, a mesma tece um fio de seda e, na ponta do mesmo, gotas com diferentes compostos químicos que imitam feromônios de mariposas. Lançado e em forma de laço, esses fio captura insetos voadores.
Dentre as tecelãs urbanas, uma aranha bem conhecida é a Pholcus phalangiodes (Fuesslin, 1775), da família Pholcidae C. L. Koch, 1850, popularmente chamada de treme-treme ou aranha-perna-fina. Elas costumam aparecer em emaranhados de seda de formato tridimensional, em cantos de paredes. Vale o ressaltar que essas aranhas não possuem importância médica e atuam em prol de nós, seres humanos, ao se alimentarem de mosquitos e moscas que são importantes vetores de doenças. Outro exemplo de aranha tecelã que nos cerca é a viúva-marrom, Latrodectus geometricus C. L. Koch, 1841, que apesar de ser da mesma família (Theridiidae Sundevall, 1833) da viúva-negra, também não é de importância médica e faz teia no formato tridimensional.
Diante das caçadoras, outras subcategorias foram organizadas para classificar os organismos, por exemplo, na família Salticidae Blackwall, 1841 conhecidos popularmente como papa-moscas. Elas caçam ativamente suas presas, atuando por emboscadas. Essas aranhas tecem seda apenas para fins reprodutivos, no caso, casulos e sacos de ovos. Outra família que chama atenção são as aranhas-caranguejos, da família Thomisidae. Esses animais costumam estar associados a flores e a inflorescências, as quais têm um papel fundamental no controle de insetos, principalmente abelhas e mariposas. Além disso, essas aranhas conseguem se camuflar nos ambientes em que ocorrem, podendo muitas vezes mudar o padrão de coloração, o que auxilia na sua estratégia de caça, sendo consideradas caçadoras senta-espera.
Ao avaliar as diferentes guildas de aranhas em trabalhos ecológicos é também importante avaliar a diversidade, o que nos traz respostas do meio funcional. Diferentes ambientes possuem diferentes níveis da diversidade interagindo. No caso de tecelãs, o meio no qual ela se insere é fundamental na manutenção de suas estratégias, sabendo que, toda aranha que tece necessita de uma arquitetura de vegetação. Assim sendo, ambientes florestais comparados com ambientes de campos, o meio afeta diretamente a abundância e diversidade destes organismos.
Em estudos recentes, que avaliaram guildas funcionais de campos, observa-se um aumento de aranhas caçadoras corredoras/errantes. Em ambientes campestres, diferentes influências como a estrutura de vegetação prioritariamente rasteiras e arbustos, além de perturbações como o pisoteio pelo gado e o fogo, afetam diretamente essa diversidade. Em alguns casos, é possível afetar positivamente. Veja na foto abaixo uma aranha caçadora, errante de solo, da família Lycosidae Sundevall, 1833, conhecida popularmente como aranha-lobo.
No meio aquático não poderia ser diferente
As aranhas das famílias Trechaleidae Simon, 1890 e Pisauridae Simon, 1890 costumam ser vistas próximas da água e, apesar de não tecerem, para captura de alimentos, são excelentes predadoras do meio aquático, muitas vezes se alimentando de pequenos invertebrados e até de anfíbios e peixes. Essas aranhas também são consideradas importantes bioindicadores de qualidade de água, pois só ocorrem em meios aquáticos biodiversos e com boa condição da água.
Entender os meios funcionais da diversidade de aranhas auxilia também na conservação de ambientes. Muitas aranhas possuem diferentes estratégias de forrageio e auxiliam os seres humanos, seja por controle de pragas e até mesmo na indústria, com a produção da seda. Agora, você tem o conhecimento de que nem toda aranha tem importância médica e pode viver em sintropia, com o meio urbano.
Referências
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– World Spider Catalog (2022). World Spider Catalog. Version 23.5. Natural History Museum Bern, online at https://wsc.nmbe.ch, doi: 10.24436/2.
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