Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Quando se fala em soltura de animais silvestres, muitos críticos a esse tipo de atividade apontam a complexidade do processo. As falas deles variam, mas em geral começam com a expressão “Ah, difícil, muito difícil…”.
Nossa proposta para o artigo de hoje é desmistificar essa tal da soltura de animais silvestres. Será que solturas podem ser processos simples?
Para responder essa pergunta, temos que começar pelo aspecto mais óbvio, porém ignorado, que é: para cada animal, um grau diferente de dificuldade para soltura. Seja um invertebrado ou um grande felino, cada animal tem suas demandas e isso se reflete na forma, quando e onde deve ser feita a soltura.
Assim, vejamos alguns casos na prática. Um fácil e um difícil.
Historinha fácil
Os bacuraus são aves noturnas e que durante o dia costumam ficar paradas em troncos de árvores ou até no chão. Então não é incomum que pessoas recolham os animais acreditando que estejam machucados ou doentes. Assim, eles acabam parando em centros de triagem e, consequentemente, nas áreas de soltura. Nosso bacurau chegou bem e de pronto tentamos a soltura ao final da tarde. No dia seguinte, surpresa: ele não voou!
Nova inspeção no animal. Nenhuma fratura, nenhuma pena quebrada, enfim, nada que pudesse justificar a pasmaceira do herói da nossa história. Claro! Quem sabe um reforço de alimentação especial para melhorar a energia? Duas minhocas gordas depois, nosso bacurau descansado já estava querendo voar! Sinal de que a soltura estava próxima! Ao anoitecer, nosso bacurau foi liberado, sem flashes e sem confusões, tranquilo!
Historinha complicada
Com o avanço da caça ilegal sobre nossa fauna – e só para situar o leitor, hoje existem pelo menos sete projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados para a liberação da caça no Brasil -, não é incomum recebermos filhotes de algum tipo de mamífero. Vejamos o caso de dois catetos (Pecari tajacu), os nossos tão falados porcos silvestres, cuja mãe foi morta.
Fase I: mamadeiras a cada quatro horas. Fase II: desmame e passagem para alimentação sólida. Fase III: transferência para viveiro intermediário e introdução à dieta de animais adultos. Fase IV: transferência para viveiro pré-soltura com condições de forrageamento natural, permitindo que os animais iniciem o aprendizado para poder viverem em liberdade. Valor total do investimento: 12 meses e R$ 5 mil (adaptação do viveiro fase IV e alimentação).
É nesse ponto em que alguém pergunta: mas vale a pena?
Caríssimo leitor, enquanto houver vida silvestre, tem que haver soltura. Sempre vale a pena! Cada vida é única e cada animal liberado representa nossa esperança de que em breve poderemos viver dias melhores no que tange à conservação da biodiversidade em nosso país.
– Leia outros artigos da coluna UNIVERSO CETRAS
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)