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Médica veterinária e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Atua desde 2010 na Divisão da Fauna Silvestre da cidade de São Paulo, sendo responsável pelo setor de recebimento de animais oriundos do tráfico. Tem experiência nas áreas de patologia animal, clínica de aves e répteis e reabilitação. É docente do curso de bacharelado em medicina veterinária do Centro Universitário Anchieta desde 2023.
Os bugios-ruivos (Alouatta guariba clamitans) são espécies endêmicas da América do Sul, sendo encontrados nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, no bioma Mata Atlântica. Alimentam-se principalmente de folhas, possuem porte médio e apresentam dimorfismo sexual: o macho adulto é castanho-avermelhado e a maioria das fêmeas adultas são marrons. Os grupos familiares são compostos por quatro fêmeas adultas, no máximo, e um número menor de machos adultos, além de animais subadultos, jovens e filhotes.
Na cidade de São Paulo (SP), essa espécie era comum, sendo facilmente observada no Parque Estadual da Cantareira, na zona norte, e em áreas particulares da zona sul. No início dos anos 2000, era a terceira espécie de mamíferos silvestres mais atendida pela Divisão da Fauna Silvestre (DFS) da prefeitura, antigo Depave-3.
Os conflitos relacionados à entrada desses animais no Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da DFS são, sobretudo, decorrentes da expansão urbana e do desmatamento, o que aumenta os casos de ataques por cães domésticos, queimaduras em fios de alta tensão, atropelamentos, etc.
A partir de 2017, houve um agravamento da situação dos bugios no estado de São Paulo. Com o surto da febre amarela e a sensibilidade da espécie à infecção, um número massivo de indivíduos veio a óbito, acentuando a condição de animal ameaçado de extinção, sendo classificado, a partir de 2022, na categoria “em perigo”.
Nessa época, houve uma redução drástica do número de bugios recebidos no Cemacas. A Divisão, que realizava um amplo trabalho de translocação (transferência de um local para outro) de bugios em áreas estudadas e selecionadas na zona sul do município de São Paulo, não pôde dar continuidade a esse trabalho, pois não havia garantia de sobrevivência dos animais frente à circulação e à presença do vírus da febre amarela.
Em 2022, a partir de parcerias com o Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Pasteur, os bugios recebidos e mantidos no Cemacas foram vacinados contra a febre amarela e, após um período de acompanhamento clínico e sorológico dos animais, houve uma boa resposta imunológica e a premissa de novas solturas.
Assim, no início de 2024, foi solto o primeiro grupo de bugios, composto por cinco indivíduos: três adultos (duas fêmeas e um macho), uma fêmea jovem e um filhote macho. A soltura branda foi realizada no Parque Estadual da Cantareira. Foi instalado um recinto no meio da mata e, após um período de aclimatação, a porta foi aberta e os animais saíram conforme desejavam. O recinto permaneceu montado e com suporte hídrico e alimentar até os primatas conseguirem realizar a transição completa para a vida livre.
A preparação para essa soltura envolveu as avaliações solicitadas pelo comitê do Programa de Manejo Populacional de Alouatta guariba, compreendendo avaliações comportamentais e sanitárias dos animais a serem reintroduzidos, assim como dados de sua origem.
Em relação ao monitoramento da soltura, no primeiro grupo foi realizado ativamente por 30 dias corridos, desde o despertar dos animais até o momento em que se recolhiam para dormir, totalizando um período de 12 a 13 horas de campo por dia. Além da extensa carga horária, os maiores desafios foram o tempo em campo, em decorrência das condições climáticas, e o terreno acidentado. Para a viabilização desse intenso acompanhamento, tivemos a parceria da Ampara Silvestre, que esteve com os técnicos da DFS em diversos dias de campo.
Além disso, como um grande aliado do monitoramento, tivemos o uso do rádio-colar que permitiu o rastreamento preciso do deslocamento dos bugios e seus uso do hábitat. Essa tecnologia foi utilizada em um indivíduo dos três grupos soltos, facilitando a coleta de dados comportamentais, ecológicos e populacionais mesmo em áreas de mata densa e de difícil acesso.
Sobreviveram, do primeiro grupo, o macho e a fêmea jovem. Meses depois do término do monitoramento, foi descrita por um munícipe a observação da dupla no parque, juntos, demonstrando que as observações feitas pela população são de extrema valia.
O monitoramento do primeiro grupo fez com que as técnicas e a preparação do segundo grupo de soltura fossem aprimoradas. Assim, o ambiente foi melhor produzido dentro do recinto de reabilitação, com colocação de mais cordas e poleiros a fim de trabalhar o deslocamento dos animais. Poleiros mais finos e frágeis, bem como cipós e galhos secos, foram utilizados com o intuito de treinar os animais a serem mais cautelosos no seu trajeto. Um recinto mais amplo e com maior possibilidade de deslocamento lateral também foi adotado. Ainda, houve uma adequação alimentar mais agressiva, com todas as frutas comerciais ofertadas sendo retiradas da dieta, permanecendo apenas folhas e seus frutos, caso presentes, e ração para primatas herbívoros.
Grupo de bugios soltos, se alimentando em vida livre – Vídeo: Izabel Barbosa de Medeiros do Prado
A oferta de folhas nativas no Cemacas acontece em cativeiro como forma de enriquecimento alimentar, mas, para o grupo a ser reintroduzido, houve um acréscimo significativo na dieta. A escolha das espécies vegetais foi realizada de acordo com a literatura disponível e pela observação da preferência das árvores pelo primeiro grupo, sendo a coleta feita nos parques municipais. A água dentro do recinto de reabilitação foi ofertada em bromélias, semelhante ao que os animais encontram em vida livre.
O segundo grupo de bugios soltos compreendeu cinco indivíduos: um macho e uma fêmea adultos, uma fêmea subadulta, um macho jovem e um filhote macho, com a soltura ocorrida em 5 de novembro de 2024. O terceiro grupo, composto por duas fêmeas, foi solto recentemente, em 23 de abril deste ano, com a intenção de reforço populacional para o grupo solto anteriormente. É importante dizer que as áreas de soltura dentro do Parque Estadual da Cantareira ficam próximas e permitem a aproximação dos indivíduos, caso eles desejem, para agregar novos integrantes ao bando.
O monitoramento ativo realizado não só foi fundamental para as melhorias da reabilitação e sucesso do segundo grupo solto, mas para todo o plantel de bugios da DFS. Através do acompanhamento dos comportamentos expressados em vida livre, bem como das observações sobre as espécies vegetais utilizadas como fonte de alimento e os movimentos realizados para o deslocamento na mata, foi possível oferecer uma nova chance de vida a esses primatas cativos, que há anos esperam pelo seu retorno à natureza.
Com a chegada da primavera, a disponibilidade de mais itens alimentares e a maior oferta hídrica, novas reintroduções serão programadas para o segundo semestre de 2025. Apesar de as solturas serem tão aguardadas, devemos encará-las não como um conto de fadas, mas entendê-las com seus riscos e propor medidas para enfrentá-los, aprimorando técnicas, conhecendo as áreas de soltura e respeitando os animais e sua dinâmica dentro dos grupos.
Por fim, convido você, leitor, a seguir e acompanhar essas e outras atividades no Instagram da Divisão da Fauna e da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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Médica veterinária e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Atua desde 2010 na Divisão da Fauna Silvestre da cidade de São Paulo, sendo responsável pelo setor de recebimento de animais oriundos do tráfico. Tem experiência nas áreas de patologia animal, clínica de aves e répteis e reabilitação. É docente do curso de […]
