Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
transportes@faunanews.com.br
A presença de rodovias impacta de diferentes maneiras os animais que vivem ao entorno e essa relação pode depender do comportamento das espécies em relação à estrada e/ou das características delas.
Sabemos que algumas espécies apresentam o comportamento de evitar se aproximar e cruzar as rodovias, resultando no efeito barreira que pode isolar populações. Outras espécies não alteram seus percursos e têm maior chance de colidirem com os veículos, podendo reduzir o número de indivíduos nas populações. O comportamento das espécies em relação às estradas pode depender da densidade e configuração das vias em uma região e/ou do fluxo de veículos. Dependendo do resultado dessa interação pode haver redução do tamanho das populações e até o desaparecimento delas.
Entretanto, realizar uma amostragem em campo para estudar a relação entre as características da rodovia e a fauna silvestre não é uma tarefa fácil, pois demanda recursos financeiros e logísticos. Uma alternativa para buscarmos respostas sobre essa relação é o uso de modelos computacionais que simulam paisagens, nos quais podemos testar diferentes cenários e avaliar as interações desejadas.
Um estudo avaliou a probabilidade de persistência de uma população hipotética de acordo com diferentes comportamentos das espécies, variando o nível de evitamento dessas em relação à densidade e à configuração das rodovias, além da persistência em relação ao tráfego de veículos. Para isso, os autores fizeram simulações de diferentes cenários, variando as características da estrada e comportamento da população. Eles encontraram que a população pode não apresentar resposta à densidade de estradas, mas dependendo da configuração das vias, se estão em paralelo ou perpendiculares, pode resultar em extinção da população, à medida que a espécie diminui o evitamento à estrada. Ainda que a densidade de estradas seja a mesma, as diferentes configurações das estradas fragmentam a paisagem em diferentes números de habitat e, por isso, o modo que as estradas estão distribuídas importa mais.
Como esperado, quando o comportamento dos indivíduos na população é evitar a rodovia, a morte por colisão com veículos é menos importante do que o isolamento dos habitat para persistência, logo o número de habitat na paisagem importa. Quanto ao fluxo de veículos, a persistência da população é maior quando o tráfego é concentrado em uma estrada na paisagem do que distribuído em várias estradas. Assim, para populações em que os indivíduos não evitam as estradas é mais importante preservar habitat distante das vias do que ter pequenas quantidades de habitat na paisagem.
Assim, a presença de rodovias fragmenta paisagens e pode reduzir a quantidade de habitat e conectividade das áreas de uso para as espécies. Tais impactos estão associados à densidade e configuração de estradas presentes em uma região. Compreender os diferentes mecanismos relacionados à persistência das populações é uma tarefa difícil. A persistência dependerá de a capacidade dessas populações reporem novos indivíduos na natureza na mesma medida em que elas são impactadas pelo isolamento e/ou colisões – tratando apenas dos efeitos associados à estrada, pois há outros fatores externos que podem delimitar essa resposta.
Estudos, mesmo que com dados simulados, são importantes para auxiliar na compreensão da interação das populações de animais com os efeitos das estradas e até de outras infraestruturas lineares. A simulação é um método abrangente que permite explorarmos diversos cenários, situações e mecanismos isoladamente ou em conjunto. Porém, é necessário que haja recursos e demandas de pesquisa na natureza para comprovar os resultados encontrados nas simulações, uma vez que as dinâmicas na natureza e no dia a dia possuem características que não podemos incorporar computacionalmente. A pesquisa de campo e a pesquisa baseada em modelos matemáticos são complementares e essenciais para o avanço científico.
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