Casal que há mais de 30 anos viaja até os lugares mais remotos do Brasil para fotografar a natureza. São adeptos da ciência cidadã, ou seja, do registro e fornecimento de dados e informações para a geração de conhecimento científico
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A serra da Canastra (MG) sempre esteve em nossos planos de viagem e, após uma conversa com o amigo e guia Geiser Trivelato, decidimos aproveitar a primeira oportunidade em nossas agendas e seguir para essa inesquecível aventura.
Era novembro de 2017 e o Geiser nos alertou que essa época não seria favorável para registro do pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), espécie que só sobrevive em ambientes equilibrados e com cursos d’água limpos e transparentes – ave em Perigo Crítico de Extinção e com muitos registros na serra da Canastra. Mesmo sabendo disso, decidimos realizar a viagem, considerando que as demais atrações iriam valer a pena. Não nos enganamos!
Planejamos ficar quatro dias na serra da Canastra e no retorno aproveitamos uma parada nas cidades de Jacutinga, residência do Geiser, e Santa Rita de Caldas, no sul de Minas, para registrar algumas espécies que eram lifers (primeiro registro) para nós.
A primeira surpresa durante a viagem
Na viagem para a serra da Canastra, passamos pela cidade de Capitólio e, por recomendação do Geiser, fizemos uma parada na beira da estrada para apreciar o que seria uma bela paisagem. Descemos do carro sem muita expectativa e tivemos uma imensa surpresa com a beleza do que parecia ser uma pintura: um cânion que se erguia nas águas verdes-esmeraldas da represa de Furnas. Ficamos só meia hora apreciando o lugar, mas recomendamos para quem estiver indo para a região que tire um ou dois dias para conhecer Capitólio, passear de lancha e aproveitar as cachoeiras desse lindo lugar.
Um pouquinho sobre a serra da Canastra
O Parque Nacional da Serra da Canastra é enorme, tem cerca de 90 mil hectares e abrange os municípios de São Roque de Minas, Capitólio, Vargem Bonita, São João Batista do Glória, Delfinópolis e Sacramento. A serra da Canastra tem o formato de um baú, daí a origem do nome, pois canastra é um tipo de baú antigo.
A serra da Canastra tem várias nascentes, sendo a mais famosa a histórica nascente do rio São Francisco – o velho Chico, que de um pequeno veio d’agua vai se transformando em um dos mais importantes rios do Brasil, cruzando vários Estados e desaguando no oceano Atlântico na divisa de Alagoas e Sergipe.
O parque é um cenário de muita beleza, com vegetação de transição entre a Mata Atlântica e o início do Cerrado, mas tem a predominância de Campos de Altitude – vegetação baixa encontrada normalmente a partir de 1.200 metros. O parque abriga muitos animais do cerrado, como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) e diversas espécies de aves.
Na época das chuvas, os passeios na serra da Canastra devem ser feitos com carro 4X4 pois todas as estradas do parque são de terra e em muitos trechos não é aconselhável a passagem de veículos sem tração.
Ficamos hospedados no hotel Chapadão da Canastra, da senhora Renilda Dupin, na cidade de São Roque de Minas. O hotel tem excelentes acomodações, um café da manhã delicioso e, para nosso mimo, éramos recebidos após nossos passeios com um café quentinho e um delicioso queijo da canastra.
Passarinhar na serra da Canastra vai além de registrar as aves
Para cruzar o parque são mais de 70 quilômetros em estradas de terra e a passarinhada consiste em ir percorrendo essas estradas, parando quando se avista alguma ave ou animal ou em pontos que o guia já conhece.
Quando o Sol se põe, muitas partes da vegetação rasteira da serra se tornam douradas – um espetáculo que não se consegue reproduzir em fotos.
Passarinhar nos campos de altitude é muito bom, pois você tem a visão do lugar quase que sem obstáculos e sem sombras. No parque fizemos o registro de muitas espécies e destacamos o tapaculo-de-brasilia, o galito, o papa-moscas-do-campo, o tico-tico-de-máscara-negra, a corruíra-do-campo, a perdiz, o andarilho, o caminheiro-grande, a patativa, o papa-moscas-de-costas-cinzentas, a andorinha-morena, a bandoleta, o chibum, o Capacetinho-do-oco-do-pau e a águia-cinzenta.
Além das aves fotografadas em excelentes condições de registro, o Geiser conseguiu ver no meio da vegetação alguns animais que iriam passar totalmente desapercebido por nós. Com a ajuda dos olhos treinados dele, conseguimos avistar e fazer lindas fotos do veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), do tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).
Estávamos no olho da cobra
Caminhando em uma estrada do parque, nos deparamos com uma bela cobra-cipó que estava parada no meio da estrada. Ela tinha cerca de 1,50 metro e sua cor verde brilhava refletindo a luz do Sol. Tiramos várias fotos, tentando captar aquela bela espécie. Antes de seguir, tiramos ela do meio da estrada com o auxílio de um galho.
Dias depois em casa, quando baixamos as fotos e iniciamos a edição, ficamos surpresos em ver que a imagem do Wagner e do Geiser estavam refletidos na pupila da cobra. O Wagner aparece agachado tirando a foto e o Geiser em pé, ao lado.
O diferencial de estar com um excelente guia
No entardecer do terceiro dia, fomos passarinhar em uma mata fora do parque, na cidade de São Roque de Minas. As aves estavam muito ativas e era um emaranhado de diferentes vocalizações. Estávamos concentrados na tentativa de fazer o registro do chorozinho-de-chapéu-preto que estava na copa de uma arvore, pulando de um lado para o outro e não dava chance para uma boa foto. Em meio a essa verdadeira balbúrdia de cantos, o Geiser disse: “Acho que escutei um papa-lagarta-de-euler. Essa ave é rara por aqui”. O Geiser colocou o canto no playback e em poucos segundos o papa-lagarta-de-euler (Coccyzus euleri) estava na nossa frente.
Na noite durante o jantar, comentamos com o Geiser que nós estávamos impressionados como ele tinha conseguido identificar o canto da ave no meio de tantos outros cantos – era uma barulheira de final de tarde. O Geiser disse que também tinha ficado contente, pois era a primeira vez que ele tinha visto essa espécie! Ele conhecia o canto por estudo e memorização, mas nunca tinha visto a ave antes!
Posteriormente tivemos o prazer de nossa foto do papa-lagarta-de-euler fazer parte do livro Todas as Aves da Serra da Canastra.
Retorno com lindos registros
No retorno, fizemos uma parada na cidade de Jacutinga onde fizemos alguns registros que eram lifers para nós: guaracava-grande, guaracava-de-crista-alaranjada, cigarra-do-coqueiro e o andorinhão-do-temporal.
Em Santa Rita de Caldas, cidade vizinha de Jacutinga, fotografamos o tapaculo-serrano, Barbudinho e um casal de sanhaçu-de-fogo, que é uma das mais belas fotos que já fizemos.
Temos razões para retornar
Essa viagem foi muito prazerosa, pela paisagem, a comida mineira que é sensacional e pelos queijos e doces que são espetaculares. Em todos os locais fomos recebidos com muita hospitalidade. Além dessas razões para retornar, como previsto, não conseguimos fazer o registro do pato-mergulhão, o que é um excelente motivo para voltarmos.
Chegamos em casa com muitas fotos de aves, fotos de animais, queijos, doces e muitas boas lembranças.
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