Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A alimentação também deveria acompanhar a ética ambiental. E a educação tem muito a ver com esse assunto.
Comer carne animal é, no mínimo, controverso com relação à proteção ambiental. Além de se ingerir um animal morto, isso pode significar, muitas vezes, colaborar com ações nada éticas, como o desmatamento da Amazônia, que vem ocorrendo para dar lugar à criação de gado ou soja.
É imperdoável destruir uma das mais ricas biodiversidades do planeta para colocar uma espécie apenas como a soja, plantada para ser exportada para alimentar porcos e outros animais para o abate. No caso do gado, ainda tem o metano liberado na atmosfera advindo do processo digestivo desses animais, que contribui para o aquecimento global. Com a soja, deve ser levado em conta a água necessária para sua plantação. A agricultura consome mais de 70% da água doce disponível e a soja, ou mesmo a grama que alimenta o gado, contribui significativamente para essa equação. Segundo a Yolanda Kakabadse, ex-ministra do Meio Ambiente do Equador, hoje presidente do WWF internacional, cada bife de 500 gramas consome seis mil litros de água para ser produzido. Estamos, assim, exportando água nesse processo.
Bem-estar animal
Outro aspecto inadmissível é o sofrimento dos animais no abate. Infelizmente, precisamos saber que essas maldades acontecem para colocarmos pressão visando a mudança dessas práticas e, assim, deixarmos de ser coniventes. Em geral, preferimos ignorar o que ocorre para não sentirmos culpa, mas como ouvi de alguém lúcido, se um matadouro fosse bonito e digno de orgulho, seria envidraçado para os consumidores apreciarem. A situação é violenta também para os trabalhadores responsáveis pelo abate e separação da carne, que sofrem danos físicos e psicológicos acima das taxas observadas em outras atividades.
Imigrantes, que não têm muita opção por estarem muitas vezes ilegais no país, trabalham nos matadouros em situações precárias e indignas. Essa realidade não é comum apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, como mostram alguns vídeos que serão aqui mencionados. No Brasil, haitianos e venezuelanos que imigraram para a Amazônia vêm sendo contratados pelos frigoríficos de diversas regiões do país, que por não serem legalizados não têm como reclamar das péssimas condições a que são submetidos.
Existem iniciativas de se criar gado de forma livre e com preocupação de dar bem-estar aos animais, o que traz novas perspectivas mais éticas. Um lindo projeto é realizado por um aluno de mestrado do IPÊ, Leonardo Resende (hoje doutor), que pode ser visto aqui. São exemplos, como também o projeto da Embrapa, que devem ser copiados, pois a procura desse tipo de carne para a exportação é crescente, o que serve de incentivo. Mas, ainda assim, o destino nos animais será o abate para o consumo humano.
Realidades cruéis estão presentes também nos criadouros de frangos. Pintinhos considerados inapropriados são triturados ainda vivos e viram ração ou algum insumo para outro produto rentável. Bem-estar animal raramente faz parte das práticas nos criadouros. O consumidor também deve sofrer sem saber por conta da quantidade de hormônios que esses animais ingerem. Ou seja, bicho criado para alimentar gente não é visto como ser vivo: é apenas um produto comercializável.
Relatório da Human Society International – Brasil descreve os locais de confinamento de galinhas poedeiras, porcas prenhas e outros animais como inadequados e com condições cruéis. Os animais ficam no escuro (ou muitas vezes no claro o tempo todo) e em espaços que impedem de se moverem minimamente, para que não percam energia e cresçam para estarem prontos para serem abatidos mais rapidamente. Esses são os chamados sistemas intensivos de produção industrial, que não levam em conta qualquer preocupação com o bem-estar dos animais. O documento menciona inúmeras pesquisas que indicam que as pessoas se importam com a forma com que os bichos são tratados, mas desconhecem o que ocorre e, assim, “o agronegócio industrial continua a ver estes animais como mercadorias, ao invés de indivíduos sencientes, capazes de experimentar alegria e frustração, dor e sofrimento”. Outra constatação do Relatório é que “produtividade não é sinônimo de bem-estar, e igualar um ao outro não tem respaldo científico”.
O Ministério da Previdência Social reconhece que entre os trabalhadores ligados ao abate de aves e suínos existem quase quatro vezes mais transtornos psicológicos do que na média de todos os outros setores de trabalho do Brasil. De acordo com o portal Escrevo Nem Pensar!, o trabalho nos frigoríficos é análogo à escravatura porque os direitos dos trabalhadores são desrespeitados e o tratamento é abusivo.
Os peixes também não escapam. Segundo um ex-funcionário do Ministério da Pesca, os peixes são medidos por toneladas, e não considerados animais. Além disso, a forma como os oceanos vêm sendo tratados demonstra o desrespeito que temos pelo mundo submarino. A quantidade de peixes contaminados é cada vez maior, assim como o lixo jogado nos rios e mares mundo afora.
A humanidade se desconectou da natureza e com isso nem percebe o que acontece com os bichos mortos para consumo. Compra-se frango empacotado e carnes de diversos animais em pedaços em qualquer supermercado, de maneira irreconhecível ao que eram quando vivos.
No meio rural, a realidade é bastante diferente, mesmo quando os bichos são criados para serem comidos. Há o acompanhamento do crescimento de pintinhos, bezerros e novilhas, porcos, coelhos e patos soltos no quintal ou nos pastos. Muitas crianças, ou mesmo adultos, se afeiçoam aos bichos e ficam com pena de os matar, e outros veem o processo como natural, mas sem a intenção de maltratá-los. No entanto, com a grande maioria da população humana vivendo em grandes centros urbanos, essa conexão só existe para poucos.
Também grave são os processos mecanizados que em geral são cruéis. Vale assistir Earthlings (Terráqueos), que mostra como a visão de lucro e eficiência máxima do nascimento ao abate dos animais os desconsidera como seres vivos que sentem o que é feito a eles.
No livro Cozinhar: uma história natural da transformação, o autor Michael Pollan defende a volta do costume de cozinhar para rebater o fast-food, responsável por muito dos processos produtivos que desrespeitam os animais pela quantidade que demandam e por ignorar a origem, muitas vezes duvidosa, ou as consequências do que é consumido. O autor menciona que cozinhar pode ser um caminho de nos reconectarmos à natureza, porque podemos trazer o meio ambiente para a mesa, para o nosso dia a dia.
No caso da alimentação, uma responsabilidade educacional é mostrar como nossos atos têm consequências positivas ou negativas. Sei que sou partidária porque sou adepta ao vegetarianismo, mas comer animais mortos pode ser questionado num processo educativo, mesmo que incomode muitos que não querem mudar seus hábitos. Nosso destino é baseado em escolhas que fazemos a cada instante e a alimentação é parte da nossa rotina diária, podendo servir de exemplo para refletirmos sobre o que queremos.
Hoje existem muitas matérias e vídeos apontando as crueldades que fazemos aos animais e a quem trabalha nos setores do abate, o que me leva a pensar que o caminho é mesmo de promover reflexões sobre a importância do respeito à vida de maneira ampla. Ser vegetariana hoje traz alívio de não fazer parte das agressões do processo de produção.
São muitos os vídeos e Ted Talks que falam sobre a crueldade com animais e aqui vai uma indicação:
https://www.youtube.com/watch?v=acJscdoP2a4
Há também vídeos de crianças que não querem comer animais mortos.
No caso de como trabalhar o tema em educação ambiental, creio que mostrar a realidade de como os animais são tratados e como deveriam ser é um caminho. Além disso, pensei em algumas atividades que chamem a atenção para o respeito com animais:
– Leve crianças a lugares públicos como praças ou parques naturais e procure exemplos de animais sendo cuidados por familiares.
– Reflita sobre a origem de cada item oferecido em uma refeição e peça que desenhem de onde vêm os alimentos.
– Se for possível, leve o aprendiz a uma fazenda que produz animais para o abate e estimule uma discussão sobre o que está correto e o que deveria mudar.
Meu ponto é que conhecimento traz responsabilidade e nossas escolhas precisam vir de reflexões porque todas têm consequências. O mundo está precisando de escolhas conscientes em todas as áreas e nossa alimentação pode ser um bom ponto de partida por ser comum a todos e estar presente no nosso cotidiano. Colhemos o que plantamos e, se quisermos mudar a realidade, precisamos agir de maneira diferente. Precisamos escolher cuidadosamente nossas sementes e o adubo que vamos utilizar nos nossos plantios.
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