Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Amigo leitor, e assim chegamos ao final deste difícil e peculiar 2020.
Ao longo deste ano foram 12 artigos para a coluna Segunda Chance, sempre abordando algum aspecto da misteriosa e complexa arte da soltura de animais silvestres
Assim, fomos abordando sobre a decisiva importância do monitoramento pós-soltura e as diferentes formas de executar essas ações. Também abordamos a importância da recomposição florestal de áreas onde são realizadas solturas, garantindo assim máximas chances de sobrevivência no que tange a integridade e disponibilidade da teia alimentar relacionada a espécie alvo. Contamos muitas histórias de solturas e até mesmo comparamos um ato de soltura ao envio de uma sonda para o espaço! Uau!
Fazendo um balanço das atividades, sempre me vem a mente o esforço que antecede um ato tão simples como o de uma soltura. Às vezes, ao final, você nem vê o animal saindo porque o foco de uma soltura não é a foto perfeita, aquela do momento exato no qual o animal sai da área de contenção dando aquela olhadinha para a câmera, mas o animal em si, o seu bem-estar. Os casos em que melhor exemplificam essa situação são os de filhotes. Quantos não chegam fracos ou pequenos demais, vítimas de incontáveis traumas e sofrimentos e, aos poucos, eles vão superando essas deficiências iniciais. Aí vem a fase do amadurecimento que pode ter duração imprevisível, até mesmo com diferença entre indivíduos da mesma espécie. E claro, à medida que você avalia a capacidade por diferentes critérios, de um animal estar ou não apto a soltura, os resultados positivos são sempre muito comemorados, dadas as imensas dificuldades para se realizar qualquer soltura de qualquer espécie.
Mas ainda assim, existe um certo “efeito fantasma” na mente do técnico envolvido. Um certo sentimento controverso, que a um tempo é alegria, mas também uma certa melancolia. Costumo brincar que, depois de tudo o que fizemos por “eles”, não recebemos um simples e-mail, um WhatsApp ou, quiçá, um simples sinal de fumaça. São mesmo uns ingratos! Mas claro, se monitoramos bem, daí vem aquela alegria e, querido Leitor, dá mesmo vontade de sair pulando e gritando alto ao vermos um indivíduo solto vivendo sua vidinha, tranquilo, como se nada houvesse passado.
Um trabalho bem feito sobre uma ação complexa como a de soltura é mesmo multidimensional. Tem os dados, tem a teoria, tem a refutação ou o aceite de hipóteses e também tem a dimensão da emoção, tanto a do animal como a dos técnicos envolvidos.
Simplesmente desejar que 2021 seja um ano muito melhor para a fauna brasileira parece muito pouco diante dos incríveis desafios impostos pelo aquecimento global e a contínua destruição ambiental que estamos impondo aos nossos biomas. É preciso agir, nem que seja colocado um simples e singelo comedouro com frutas em uma janela ou plantando uma árvore. Parece antiquado, mas cada vez mais um pequeno gesto que seja, na direção da conservação da biodiversidade, tem valor.
Muita força e que nesse novo ano possamos fazer mais e melhores solturas, visando o bem-estar dos animais envolvidos e a conservação ambiental. “Bora soltar?”
– Leia outros artigos da coluna SEGUNDA CHANCE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)