Por Pedro Develey
Diretor executivo da SAVE Brasil
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Neste mês a SAVE Brasil completa 18 anos de existência. É um grande orgulho fazer parte da história dessa organização. A seguir eu conto um pouco de como tudo começou, algumas conquistas e os desafios de se trabalhar para a conservação do meio ambiente em um país megadiverso, mas que ainda precisa incorporar a agenda ambiental como uma das prioridades nacionais.
Ainda me lembro muito bem de quando, em julho de 2004, comecei a trabalhar para o então Programa do Brasil da BirdLife International. Alguns meses depois, em novembro, a SAVE Brasil (Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil) foi oficialmente estabelecida dando continuidade ao programa da BirdLife no país. Aqui vale esclarecer que a BirdLife International é uma aliança global de organizações presentes em cerca de 110 países em todo o mundo e sua atuação se dá justamente através dessas organizações nacionais independentes, mas que compartilham os mesmos objetivos e princípios. A SAVE Brasil foi fundada para fazer parte dessa aliança e representar a BirdLife aqui no Brasil.
No início, o foco principal de atuação da SAVE foi na Mata Atlântica, já que o bioma concentrava mais da metade de todas as aves ameaçadas de extinção no país. Mas mesmo considerando somente a Mata Atlântica era necessário estabelecer critérios para definir áreas críticas para a conservação das aves e onde os esforços e recursos deveriam ser concentrados. Com isso, um dos primeiros produtos da SAVE Brasil foi a identificação das 163 Áreas Importantes para a Conservação das Aves e da Biodiversidade ou IBAs da sigla original em inglês Important Bird Areas. O trabalho resultou no livro Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil: Parte 1 – estados do domínio da Mata Atlântica, publicado em 2006, e Parte 2 – Amazônia, Cerrado e Pantanal, de 2009. Ao todo são 237 IBAs identificadas no Brasil. Atualmente, estamos revisando e atualizando as informações de todas as IBA no país e propondo o acréscimo de novas áreas.
Em campo, os primeiros projetos se concentravam em Alagoas, Pernambuco e na Bahia, desenvolvendo estratégias de proteção das florestas através da criação de reservas públicas e privadas, monitoramento das aves e engajamento das comunidades locais. Com o passar dos anos ampliamos a atuação para áreas no Pampa, Cerrado, Caatinga e ambientes costeiros. Hoje atuamos em 12 estados do Brasil com programas de conservação de habitat e espécies, além da atuação em disseminação, educação, políticas públicas e advocacy.
Desde o início, o engajamento das pessoas sempre foi uma preocupação da SAVE. Trabalhamos para conservar as aves, mas precisamos das pessoas. Não é à toa que um dos primeiros lemas da BirdLife era “for birds and people together” que na SAVE mudamos um pouco para “pelas aves, pela vida”. O fato é que não existe conservação sem o envolvimento da sociedade, sejam as comunidades locais que vivem nas mesmas áreas que as aves ameaçadas ou mesmo os habitantes das cidades que têm o poder de influenciar e formar opiniões.
Presente e futuro
Nesse sentido, vivemos um momento muito positivo no Brasil. É crescente o número de observadores e fotógrafos de aves em nosso país. Isso é facilmente percebido através de plataformas da web como o WikiAves e o eBird, além do número de feiras e festivais de observação de aves que ocorrem em todo o país. Por princípio, todo observador de aves também é um conservacionista. O registro de muitas espécies de aves na natureza depende de ambientes bem conservados.
Esse movimento ainda é recente por aqui, quando a SAVE foi fundada, em 2004, a observação de aves ainda era restrita para um grupo limitado de pessoas, na sua maioria acadêmicos ou biólogos, somado a grupos de estrangeiros que visitavam o Brasil vindos principalmente dos EUA ou Inglaterra. Hoje não há uma estimativa precisa, mas certamente pode-se afirmar que existem mais de 50 mil observadores/fotógrafos de aves brasileiros. Um grupo extremamente heterogêneo que representam diversos setores da sociedade, mas possuem o amor e o interesse pelas aves em comum.
Na SAVE, nós acreditamos muito nesses observadores de aves como força para a transformação da sociedade, sendo importantes aliados na luta pela conservação de toda a biodiversidade brasileira. Num país do tamanho do Brasil, com 1971 espécies de aves e 166 ameaçadas de extinção, a valorização da nossa biodiversidade e a participação ativa da sociedade civil são fundamentais para reverter o processo de extinção e perdas de habitats chaves que estamos vivendo. Eu costumo dizer, talvez com um pouco de otimismo exagerado, que através das aves podemos mudar o mundo!
Ao longo desses 18 anos passamos momentos bem difíceis e desafiadores, seja internamente dentro da organização, seja como sociedade brasileira, considerando a situação política do país. Particularmente, os últimos quatro anos foram muito tristes. Testemunhamos um aumento gritante nas taxas de desmatamento na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, queimadas no Pantanal e conversão de campos nativos em agricultura no Pampa.
Como eu já citei anteriormente, a questão ambiental nunca foi prioridade nesse país, sendo que nesses últimos anos piorou muito. Mas tivemos eleições e o governo vai mudar a partir de 1º de janeiro do próximo ano! Ao que tudo indica, e de acordo com os primeiros discursos já proferidos, o meio ambiente será tratado como uma prioridade. A SAVE está acompanhando, e eu estou acreditando nisso e com muita esperança.
Porém o governo é reflexo da sociedade, e cabe a nós organizações do terceiro setor, que representam a sociedade civil e a todo cidadão acompanhar o trabalho dos órgãos públicos e cobrar para que o discurso e as promessas não fiquem apenas no papel. De qualquer forma, apesar da crise climática e de biodiversidade que enfrentamos, eu realmente acredito que estamos entrando num momento positivo, seja com a perspectiva de um novo governo que deverá dar a necessária atenção a questão ambiental, seja por esse movimento crescente e espontâneo de observadores de aves em nossa sociedade.
E os próximos 18 anos da SAVE Brasil? Difícil de prever, mas algumas certezas eu tenho. Primeiro, os desafios continuarão. Trabalhar com a conservação de aves em um país onde, do total de aves ameaçadas, 17 são consideradas Criticamente Ameaçadas, ou seja, correm risco real de desaparecerem nos próximos anos, é uma corrida contra o tempo. Um segundo ponto se refere à maneira de atuação da SAVE, que deu muito certo até aqui, porém precisará mudar e se adaptar a novos arranjos de gestão, estratégias e parcerias. Em terceiro lugar, a ativa participação da sociedade civil, especialmente dos observadores de aves também deverão ter uma importância cada vez maior dentro da organização.
Deixo aqui um convite para que todos nos sigam nas redes sociais, se tornarem um Amigo da SAVE e principalmente, para que observem e prestem atenção nas aves, elas são mensageiras. Nos trazem alertas sobre alterações ambientais, mas também nos trazem esperanças de um futuro melhor para o nosso planeta.
Chegamos até aqui com uma organização estável e forte, formada por uma equipe comprometida que acredita no trabalho que realiza. Parabéns, SAVE Brasil, que venham muitos mais anos.
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