Sauim-de-coleira e eleições municipais: qual a ligação?

Em 2 de setembro, o Cetas do Ibama no Amazonas destinou três sauins-de-coleira (Saguinus bicolor) para o zoológico de Brasília. Ambas as instituições compõem o Plano de Ação Nacional para a conservação da espécie, PAN Sauim-de-coleira, coordenado pelo ICMBio. Esses três animais não puderam retornar ao ambiente natural e por isso foram encaminhados ao zoológico, onde passam a integrar importante estratégia de conservação ex-situ (em cativeiro) para esse primata.

O sauim-de-coleira é um primata em alto risco de extinção. A perda e fragmentação aceleradas de ambientes em decorrência da destruição de florestas em áreas urbanas e rurais dos municípios de Manaus, Rio Preto da Eva e Itacoatiara tem impactado a espécie, declinando suas populações naturais rapidamente.  Nesse contexto, é crucial o papel dos centros de triagem e reabilitação (Cetras), zoológicos e outros empreendimentos de fauna em cativeiro, que são  uma salvaguarda genética e populacional importante para a conservação da espécie, especialmente por estar categorizada como “criticamente em perigo” de extinção.

Entretanto, a existência desses locais de acolhimento, cuidado, reabilitação, manutenção e reprodução da espécie não dimninui a responsabilidade de gestores e legisladores públicos e empreendedores em adotar políticas públicas e implementar projetos que minimizem os impactos que tem ocasionado, cada vez mais, demandas de atendimento e manutenção da espécie em Cetras e zoológicos. É urgente a adoção de medidas preventivas e reparadoras dos danos que hoje levam a grande perda dessa espécie e da biodiversidade em Manaus e, consequentemente, de serviços ambientais por elas proporcionados à sociedade.

O Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama no Amazonas, único centro de reabilitação de animais silvestres no Estado de maior território e biodiversidade do Brasil, tem recorrentemente acolhido sauins-de-coleira e obtido informação sobre as circunstâncias em que são recolhidos e resgatados. Tais informações são importantes para a identificação, caracterização e espacialização de áreas de risco para a espécie, possibilitando geração de dados que, associados aos de outras instituições, podem ser apropriados por gestores públicos nas etapas de planejamento, execução, gestão e fiscalização de projetos e consequente mitigação dos impactos dos mesmos sobre essa e outras espécies da fauna em Manaus e região.

A título de exemplo, em 2024, o Cetas já acolheu dez indivíduos de sauins-de-coleira, dos quais  50% foram vítimas de atropelamentos (três) e eletrocussões (dois), todos ocorridos na área urbana de Manaus. A unidade foi comunicada de outros quatro acidentes (três atropelamentos e uma eletrocussão) envolvendo a espécie,  que infelizmente resultaram no óbito dos indivíduos antes mesmo de serem socorridos. Os acidentes ocorreram em sua maioria em vias públicas dos bairros Distrito Industrial I e Tarumã.

Coexistência de animais silvestres e humanos em Manaus

Os dados do Cetas de 2024, associados a registros de anos anteriores, revelam que a cidade de Manaus tem se expandido de forma incompatível para o convívio de sauins-de-coleira e outras espécies de animais silvestres. A partir de relatórios do Sistema de Gestão dos Cetas do Ibama (Siscetas), percebe-se o quanto tem sido difícil e arriscada a vida desses animais na matriz urbana da capital amazonense. O crescimento populacional e a expansão da construção civil, com destaque para o setor imobiliário e comercial, associados a ocupações e edificações irregulares e mesmo projetos regularmente licenciados, tem intensificado a perda e fragmentação dos ambientes onde a espécie vive.

Essa situação, além de consequências negativas diretas aos animais, gera impactos secundários também prejudiciais, tornando a espécie ainda mais vulnerável a atropelamentos, eletrocussões, ataques por animais domésticos, doenças e capturas ilegais. Esse cenário tem sido recorrentemente propalado pela academia e por organizações civis e ambientalistas, mas não tem sido objeto de atenção e discussão por parte de gestores, legisladores e empresários locais.

Divergência entre o convívio e o isolamento na natureza

A realidade atual denota a necessidade urgente de mudança de paradigma para reverter o modelo atual de expansão e desenvolvimento de Manaus. Do contrário, os padrões atuais de crescimento da cidade irão culminar com a extinção local de várias espécies silvestres, dentre as quais o sauim-de-coleira, que é, paradoxalmente, o símbolo da capital amazonense. Importante destacar que esse modelo de crescimento pautado na desvalorização da biodiversidade urbana tem impactos sobre a qualidade de vida toda população humana.

A valorização da vegetação da cidade (parques, áreas verdes, quintais), a proteção e fiscalização de áreas de preservação permanente (APP),  associadas à instalação de redutores de velocidade, sinalizações e passagens de fauna, ao aperfeiçoamento de técnicas de podas, utilização de espécies nativas no plano arborização da cidade, controle de espécies exóticas invasoras, instalação de redes subterrâneas e proteção de cabos das rede aéreas de distribuição de energia, especialmente no entorno de fragmentos florestais, legislações que promovam a manutenção de percentuais maiores de vegetação em empreendimentos licenciados e intensificação de monitoramento e fiscalizações para prevenir e coibir danos e crimes ambientais são algumas das medidas que deveriam ser adotadas pelos poderes públicos locais e que poderão colocar Manaus no rumo de uma capital sustentável – condição cada vez mais distante da realidade da cidade. Investimentos e ações capitaneados por gestores e legisladores públicos e articuladas com instituições pesquisa, iniciativa privada e sociedade civil podem reverter a tendência do cenário atual.

Considerando este momento de eleições municipais, essa deveria ser uma pauta presente nas propostas de todos os candidatos aos poderes Executivo e Legislativo de Manaus e demais municípios do Amazonas e do Brasil. E nós, eleitores, deveríamos estar reivindicando a inserção desse debate na gestão pública de todos os poderes e esferas governamentais.

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