Saúde única na prática: parcerias por saúde e conservação no AM

Os últimos eventos epidêmicos que ocorreram no planeta foram causados por patógenos zoonóticos de origem em animais silvestres, mostrando a necessidade de intensificar o monitoramento dos agentes biológicos que circulam na população silvestre, bem como entender as modificações ambientais que possam aumentar a chance desses processos epidêmicos. A abordagem em saúde única possibilita a visão multifacetada dessa relação.

O monitoramento dos patógenos que circulam na fauna não são apenas uma ameaça à saúde pública, mas também para a conservação de espécies de animais silvestres, com risco maior às ameaçadas de extinção.

Nesse sentido, a integração da Ciência e da gestão, por meio da combinação de competências, e o compartilhamento de conhecimentos e de investimentos em pesquisa sobre o status sanitário de animais silvestres têm se constituído em estratégia pioneira e importante para monitorar a prevalência e a circulação de patógenos infectocontagiosos na Amazônia brasileira.

As informações contribuem no processo de tomadas de decisão pelo poder público, tanto no âmbito da saúde humana como no do meio ambiente e da conservação da biodiversidade.

A detecção e identificação desses patógenos em animais silvestres e a caracterização de suas áreas de ocorrência permitem compreender aspectos socioambientais que possibilitam a ampliação de estratégias de vigilância em saúde humana e de conservação de espécies de animais silvestres, especialmente aquelas ameaçadas de extinção. A identificação de agentes patogênicos na fauna silvestre também funciona como sentinela para alertar a circulação de determinado patógeno, como quando ocorre epizootias (enfermidade contagiosa que ataca grande quantidade de animais simultaneamente e na mesma região e que se propaga com rapidez), como febre amarela.

Trabalho com sauim-de-coleira

Nesse contexto, em 2019, motivados inicialmente pelo desejo comum de contribuir com a conservação do sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), espécie primata amazônica, que está em “perigo crítico” de extinção, o Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama no Amazonas, o Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica do ICMBio e o Projeto Sauim-de-coleira, da Universidade Federal do Amazonas, se uniram para criar o projeto “Aspectos Sanitários e epidemiológicos dos primatas silvestres recebidos pelo Cetas de Manaus.”

Nesse projeto, espécimes de primatas que chegam ao Cetas do Ibama têm seus históricos registrados e são submetidos a coletas de amostras biológicas (sangue, fezes e secreções). Esse material é processado por pesquisadores da Fiocruz Amazônia para detecção e identificação de agentes infecciosos virais, bacterianos e parasitários. Parte do material coletado é armazenado em um banco de amostras (Banco da Biodiversidade da Fiocruz – Amazonia) destinado ao armazenamento do material biológico, com o objetivo de disponibilizar esse material para pesquisadores brasileiros com outras questões de pesquisa e como ferramenta molecular para conservação das espécies.

Atualmente, o projeto tem ampliado o rol de espécies submetidas às coletas biológicas. Além dos primatas, foram incluídas outras espécies de mamíferos, como preguiças, tamanduás, tatus, felinos e mucuras ou saruês, como são chamados os gambás na Amazônia.

O projeto até o momento gerou resultados que contribuíram para a academia, a vigilância epidemiológica e a gestão ambiental e sanitária do Cetas. Vale destacar, por exemplo, os registros de parasitas nematóides filariais em sauim-de-coleira e outros primatas, além de possível caso de “zoonose reversa” com a presença de giardia específica de humanos em primatas criados em cativeiro ilegal, possivelmente adquirindo o parasita através do contato com pessoas.

No Cetas do Ibama no Amazonas, houve melhorias no manejo clínico e sanitário dos animais cativos, o que potencializa também os processos de reabilitação dos animais. Além disso, o projeto tem propiciado produções e divulgações científico-acadêmicas e popularização da ciência e tecnologia através de várias matérias veiculadas na mídia.

A visão da sinergia existente entre as áreas temáticas saúde humana, meio ambiente e biodiversidade, que compõem o conceito de saúde única, já permeia a formação de novos profissionais que compõem o projeto.

Os parceiros têm atuado para ampliar e fortalecer essa iniciativa, acreditando que, em conjunto com outras ações e instituições, poderão melhor contribuir para a conservação da biodiversidade, a capacitação e formação de “capital” social e profissional local e maior integração e sinergia das instituições e ações em prol da saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. A parceria interinstitucional com abordagem em saúde única mostrou possibilidades de replicação em outros Estados brasileiros, mostrando a extrema importância dos centros de triagem de fauna para saúde pública, conservação da biodiversidade e capacitação local.

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