Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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As mudanças ambientais causadas pelo homem e o movimento de patógenos e animais domésticos têm levado a emergência de doenças de animais selvagens em todo o mundo. Essas doenças podem levar a declínios e extinções de populações de animais selvagens. Uma dessas enfermidades é a sarna, que é causada por uma ácaro denominado Sarcoptes scabei e tem sido descrita em diversas espécies de animais selvagens, incluindo espécimes que vivem em áreas protegidas.
A sarna ou escabiose é uma doença altamente contagiosa e possui uma natureza zoonótica, ou seja, pode ser transmitida para os seres humanos. Grande parte dos animais selvagens são provavelmente infectados pelos animais domésticos. Os indivíduos infestados são muitas vezes vistos com áreas do corpo sem pelo, que é uma apresentação clássica. Essa enfermidade também pode causar intenso prurido e hiperqueratose da pele. Em algumas espécies, a sarna pode ser severa e levar o animal à morte. A causa da morte não está muito clara, mas se dá muito provavelmente devido à má nutrição resultante da menor ingestão de alimentos resultante do desconforto causado pela intensa coceira e o menor tempo gasto procurando alimentos. As lesões da pele também podem levar a ulcerações, miíase (causada por larvas de moscas na pele), infecções bacterianas secundárias, toxemia e sepsis (reação à infecção que danifica tecidos e órgãos do próprio animal).
As fêmeas adultas do ácaro cavam túneis nas camadas superficiais da pele onde colocam seus ovos. Estes eclodem e o ácaro geralmente passa a sua vida toda no animal, mas podem sobreviver também fora deles, dependendo das condições ambientais. A transmissão pode se dar por contato direto entre os animais ou de forma indireta no ambiente. Estudos têm mostrado que em populações estáveis, a sarna causa um baixo impacto, mas pode ter efeitos devastadores em populações de animais selvagens pequenas, geneticamente comprometidas ou fragmentadas. Nesses casos, a captura e o tratamento individual podem ser necessários. Nas espécies sociais é necessário tratar o grupo todo pois se um individuo positivo ficar no grupo, haverá reinfestação dos outros animais.
No Brasil há diversos relatos informais de animais com sinais clínicos muito semelhantes à sarna ou até mesmo animais diagnosticados com a doença em centros de triagem e de reabilitação (Cetas, Cras ou Cetras), mas há muito pouca informação publicada. Há relatos dessa doença em espécies que ocorrem no Brasil como cahorro-do-mato, cachorro-vinagre e lobo-guará. Devido o caráter emergente e o impacto que pode ter nas populações de canídeos selvagens, faz-se necessário um monitoramento dos casos de sarna que ocorrem no país para tentar quantificar o problema. Identificando-se a sarna sarcóptica nas populações de canídeos selvagens ameaçados de extinção, são necessárias ações para prevenir e minimizar os impactos causados pela doença.
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