Por Rubem Dornas
Biólogo, especialista em Geoprocessamento e mestre em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais. É membro da Rede de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) e do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NERF-UFRGS)
Avaliações de atropelamentos e fatalidades de fauna vêm se tornando cada vez mais frequentes, sejam em trabalhos acadêmicos ou no próprio âmbito dos licenciamentos ambientais. Esse tipo de estudo, costumeiramente aplicado tanto em rodovias quanto em ferrovias, tem como principal objetivo propor medidas mitigadoras para que ocorra diminuição do número de animais mortos. Contudo, o mais comum é que os resultados provenientes dessas avaliações indiquem exclusivamente os locais onde essas medidas mitigadoras devem ser implantadas.
O que é pouco discutido é se essa diminuição de fatalidades pode ocorrer ao se aplicar medidas mitigadoras por um determinado período de tempo, ou seja, estabelecendo não apenas onde, mas quando as medidas devem ser executadas. Dentre as medidas mitigadoras que podem ser aplicadas nesse contexto estão o fechamento temporário das rodovias e o reforço de ações de educação ambiental junto aos condutores de veículos. Esse caso é especialmente válido para grupos de fauna que possuem ocorrências de fatalidade muito destacada durante uma estação do ano, como alguns anfíbios.
Um estudo recente feito em uma ferrovia brasileira apontou uma enorme fatalidade de sapos-cururu com taxas significativamente maiores, quando comparado à estação seca, no período após o início das primeiras chuvas, persistindo durante o período chuvoso. E por falar em ferrovias, o que pode ser feito para redução temporal das fatalidades nesse tipo de infraestrutura, uma vez que a probabilidade de se interromper a operação ferroviária é nula e que não é possível diminuir a velocidade ou desviar dos sapos?
Embora não exista uma opção pronta e testada para essa finalidade, a principal possibilidade, nesse caso, é a implantação de algum tipo de passagem de fauna específica, preferencialmente num sistema de valas, que permita aos animais cruzar por debaixo dos trilhos. Esse sistema seria similar àquele que vem sendo utilizado para quelônios (veja vídeo abaixo). Dessa forma, ainda que esse tipo de medida mitigadora seja permanente, as valas devem ter um cronograma de manutenção respeitando a época de maior tentativa de travessias e, consequentemente, de maior fatalidade.
https://www.youtube.com/watch?v=7LC7Wkhb7Rs
Medidas mitigadoras em ferrovias ainda estão num processo inicial de desenvolvimento. Embora o que descrevi acima seja uma possibilidade, as ferrovias impõem desafios extra, como ter os trilhos como barreira (abordamos isso aqui). Nesse caso, seria necessário um sistema de valas ou muretas paralelas à estrutura ferroviária que sequer permitisse aos animais atingir os trilhos, direcionando os sapos para o local da travessia sob os trilhos.
De qualquer maneira, propostas que englobem medidas mitigadoras com interface espacial e temporal tendem a ser potencializadoras da efetividade na redução de fatalidades, sobretudo se a fauna de análise apresenta padrão sazonal. Ainda assim, temos um longo caminho a percorrer, particularmente buscando soluções que aliem espaço e tempo para mitigar as fatalidades numa infraestrutura tão peculiar como são as ferrovias. Nesse cenário, até mesmo a diminuição da interferência da via sobre os corpos d’água poderia ser uma alternativa bastante eficaz na redução de óbitos.
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