Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Eu estava aqui, com muito frio, e comecei a pensar: parece que o clima anda meio louco com temperaturas extremas. Nós até que percebemos um pouco essas variações, mas imagina animais de espécies que têm sua fisiologia regulada pelo clima como as aves migratórias!
Em meio a esses pensamentos, eu lembrei do trabalho de uma amiga, a Natalia Stefanini, que juntamente com seus colegas tentaram entender como as aves migratórias da América do Sul se adaptarão às mudanças climáticas futuras.
E sabe o que é bem interessante: ela usou os sabiás para testar isso. Sim, sabiás migratórios! No Brasil, nós temos algumas espécies que migram, como o sabiá-una (Turdus flavipes) e o sabiá-ferreiro (Turdus subalaris). Com o formato do corpo e comportamentos similar aos dos sabiás mais conhecidos, como o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) e sabiá-barranco (Turdus leucomelas), esses são encontrados em áreas mais arborizadas.
Apesar desses sabiás serem espécies relativamente comuns, pouco se sabe sobre a migração deles. Podemos atribuir essa falta de conhecimento principalmente a dificuldades logísticas para rastrear a migração de aves em larga escala. E apesar do avanço tecnológico estar ajudando esse tipo de pesquisa a tornar-se mais viável, ainda existe um alto custo associado às novas ferramentas de monitoramento, tais como GPS e geolocalizadores.
Para solucionar a escassez de dados, os pesquisadores buscaram respostas fazendo modelagem e utilizando registros de diversas fontes, principalmente os dados de ciência cidadã. Esses registros feitos por cidadãos cientistas possibilitam obter dados em larga escala e de vários anos e, assim, verificar como as mudanças climáticas podem afetar essas espécies.
Como resultado, os pesquisadores encontraram que o sabiá-ferreiro (que migra latitudinalmente na Mata Atlântica) e o sabiá-una (que migra altitudinalmente na Mata Atlântica) enfrentarão grandes reduções no tamanho de suas áreas de reprodução no futuro.
Além disso, os modelos computacionais mostraram que o sabiá-ferreiro sofrerá uma grande diminuição no tamanho de sua área de invernada (região onde permanece fora do período reprodutivo) e que o sabiá-una provavelmente terá áreas de invernada e reprodução sobrepostas, pois elas serão climaticamente semelhantes. No geral, parece que que locais com maior altitude serão climaticamente mais adequados para essas espécies. Então, se para migrar o clima impacta no sistema fisiológico e no comportamento de migração, o que poderá acontecer com essas espécies?
Bom, num cenário de rápidas mudanças climáticas, podemos esperar um impacto em uma ampla variedade de espécies, com algumas sendo mais afetadas do que outras. No entanto, como as espécies especializadas em habitat e dieta serão afetadas pelas mudanças climáticas ainda é uma questão em aberto.
Além das mudanças climáticas, as espécies terão que se adaptar às alterações ambientais em escalas mais finas, como mudanças nas paisagens naturais devido a atividades de origem antrópica e, portanto, o desafio é grande.
Os registros dessas espécies feitos pelos cidadãos cientistas foram e serão importantes para que possamos entender cada vez mais essas mudanças e nos anteciparmos para evitar perdas futuras de espécies. Então, observe, registre e compartilhe suas observações das aves.
Saiba mais sobre a pesquisa de Natália Stefanini Da Silveira, Maurício Humberto Vancine, Alex E Jahn, Marco Aurélio Pizo, Thadeu Sobral-Souza em Future climate change will impact the size and location of breeding and wintering areas of migratory thrushes in South America, Ornithological Applications, Volume 123, Issue 2, 4 May 2021, duab006, https://doi.org/10.1093/ornithapp/duab006
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