
Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Os impactos de estradas podem ser agrupados em três principais mecanismos: a mortalidade direta por atropelamento, a redução da conectividade (ou seja, a redução da migração e do acesso a habitat) e a diminuição da qualidade do habitat (incluindo a situação extrema de perda do habitat). É importante identificar qual o mecanismo mais importante em cada situação, pois o tipo de mitigação vai variar de acordo com o mecanismo.
Se o impacto mais importante é a mortalidade, cercas são uma boa solução. Mas cercas podem reduzir ainda mais a conectividade. Já se a conectividade for o mecanismo principal, passagens de fauna podem ser uma boa medida (mas elas sozinhas não reduzem a mortalidade, já falamos disso). Por outro lado, se o principal mecanismo for a redução da qualidade do habitat, como o efeito do ruído do tráfego, precisamos desenvolver pavimentos e veículos menos barulhentos ou instalar barreiras de som.

O segredo é: precisamos ter clareza sobre o que queremos mitigar antes de planejar qualquer ação.
Mas será que sabemos qual o mecanismo mais importante?
Para avaliar isso, fizemos uma revisão de 308 artigos que encontraram efeitos negativos de rodovias na fauna terrestre publicados em revistas científicas entre 2012 e 2016. Os estudos mediam variáveis diferentes, como o isolamento genético entre populações separadas ou não por uma estrada, a abundância de indivíduos próximos ou longe da estrada ou ainda a mudança no padrão de vocalização em resposta ao ruído do tráfego. Nós classificamos essas variáveis em 12 tipos de respostas diferentes e descrevemos quais mecanismos poderiam estar relacionados a essas respostas.
A primeira questão que observamos é que os estudos normalmente não permitem identificar quais os mecanismos que estão relacionados aos impactos observados ou, ainda, quais os mecanismos mais importantes. Isso ocorre porque a maioria das respostas pode estar relacionadas a mais de um mecanismo ou ainda porque os estudos não são desenhados para testar hipóteses múltiplas que separem os mecanismos.
A partir disso, avaliamos se os estudos reconheciam que as respostas poderiam ser causadas por mais de um mecanismo. Isso é muito importante, uma vez que as recomendações dos autores em seus estudos podem ser utilizadas para embasar a tomada de decisão sobre quais tipos de medidas mitigadoras devem ser implementadas.
E o que encontramos foi preocupante: mesmo avaliando respostas que podem estar relacionadas a diferentes mecanismos, a maior parte dos estudos mencionava somente um desses mecanismos na sua discussão. Os estudos que mediam respostas que poderiam estar ligadas aos três principais mecanismos (mortalidade, redução da conectividade e redução da qualidade do habitat) tinham uma grande tendência de mencionar somente a redução da qualidade de habitat na discussão. Já estudos que mediam respostas que poderiam estar ligadas tanto à mortalidade quanto à conectividade tinham uma tendência cinco vezes maior de falar em conectividade do que em mortalidade!
Isso é problemático porque pode estar direcionando as medidas mitigadoras para o mecanismo errado. Por exemplo, se encontramos que uma espécie de ave tem menor abundância nos habitats do entorno de uma estrada, podemos pensar que a espécie está evitando aquele ambiente em função da degradação do habitat, como o aumento do ruído. Entretanto, tanto a mortalidade por atropelamento quanto a redução da conectividade também poderiam causar esse padrão de menor número de indivíduos no entorno da estrada. Isso também vale para o padrão de uso do espaço da área de vida de indivíduos, por exemplo. Quando observamos menor uso próximo à estrada, em geral imaginamos que isso é causado porque os animais estão evitando a estrada, mas isso também pode ser resultado da morte por atropelamento dos indivíduos que tinham o centro de atividade mais próximo à estrada, como ilustrado abaixo na área de vida 2.

A partir desse trabalho, fizemos algumas recomendações para os estudos em Ecologia de Estradas, como pensar cuidadosamente sobre as hipóteses alternativas que podem explicar quais mecanismos estão relacionados às respostas medidas nos estudos e desenvolver pesquisas que testem múltiplas hipóteses. Entretanto, executar esses estudos pode ser difícil em muitos casos. Por isso, enquanto não sabemos quais mecanismos são mais importantes em cada situação, o caminho mais prudente é reconhecer essa limitação (para não induzir à tomada de decisão sem evidências) e mitigar todos os mecanismos possíveis!
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