Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Longe de mim, e de qualquer pessoa de bom senso, defender qualquer forma de caça nos dias de hoje. Enfatizo, “nos dias de hoje”, pois a natureza humana nos fez grandes caçadores ao longo de nosso desenvolvimento como espécie. Caça pressupõe sofrimento de alguém.
Durante muito tempo foi a única maneira de conseguirmos proteína concentrada para nosso desenvolvimento físico e mental. Ninguém que cace por necessidade ou explore comercialmente para a alimentação deseja a extinção, mas, necessariamente, impõe algum sofrimento e dor. A partir do momento em que a espécie humana descobriu a existência desta fonte de proteína fácil, tentamos de todas as maneiras construir argumentos para dar uma finalidade gourmet a um outro ser.
Sinceramente, analisando o comportamento humano ao longo da história, tenho absoluta certeza de que, se hoje, não saímos à rua, armados, atrás de algum mamífero ou ave é, simplesmente, porque temos à nossa disposição belas peças resfriadas e embaladas em algum mercado da esquina. Na distância de um dedo temos, nos Ifoods da vida, X-tudos com proteína animal já tostadinha e temperada. Nosso objetivo como caçador, hoje, é saciado em alguma prateleira.
Mas e o sofrimento e os maus-tratos? Bem, continuam existindo e fingimos que não os vemos. A visão de um animal sendo abatido por uma ogiva é diferente de outro já pendurado no açougue ou já “ao ponto” numa churrascada. Partes imersas no feijão são gostosas demais para que questionemos suas origens. Se retroagirmos a algum estabelecimento de criação, provavelmente assistiremos processos que incluem: confinamento em espaços reduzidos, baixa ventilação, excesso ou falta de iluminação e inoculação de substâncias químicas duvidosas.
O Estado permite a crueldade dos frigoríficos, mas tipifica e reprime a destruição de um ninho. Licencia suspender um ser aquático pela boca ou em grandes malhas até que faleça por falta de oxigênio, mas reprime os que o fazem em determinadas ocasiões ou locais. Determinados processos mais rápidos no abate de bovinos e suínos se fazem por conta de sentimentalismos ou estão relacionado a processos mais eficientes e, consequentemente, mais lucrativos?
Nossa Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), em seu artigo 32, estabelece – de maneira genérica – os maus-tratos. Mas por que de maneira genérica? Acredito que por vergonha de olhar para nossos pratos e enxergar, de vez em quando, ali, um ex ser senciente. Chegamos ao ponto de classificar como fauna ameaçada aqueles peixes que não estão em nossos cardápios nem nos livros de receitas e como recursos pesqueiros os que são cortados em quadradinhos e servidos com molho shoyu.
Não gostamos de pensar como predadores que somos e como participantes de uma cadeia alimentar cruel. Selecionamos os seres vivos que podem sofrer ou não usando critérios de beleza, afeto e salivação. O resultado disso tem sido: os animais que usamos na culinária estão em abundância, enquanto os que tentamos salvar com normativas estão a caminho da extinção.
E a humanidade continua confusa…
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)