Biólogo, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de Projeto Papagaio da Caatinga
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O resgate de animais silvestres é uma das categorias que mais traz situações problemáticas para dentro de um centro de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetas). Isso porque ela engloba os principais desafios para reverter um animal à situação de sanidade. Um procedimento correto e rápido define se o animal resgatado vai ou não poder voltar novamente para a natureza ou se será condenado ao cativeiro para o resto da vida.
Dentre as casuísticas mais relevantes dentro do Cetras Tangará, da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), temos os casos envolvendo armas de ar comprimido. Esse problema foi o tema do trabalho de Luana Raposo e colaboradores intitulado “Análise das lesões promovidas por armas de ar comprimido em aves silvestres no nordeste do Brasil”, em que aborda ocorrências dos anos de 2017 e 2018.
O trabalho nos mostra dados bem significativos. Foram analisadas 25 aves das 100 recepcionadas com tal casuística nesses dois anos e possível destacar que “das espécies analisadas, destacou-se Rupornis magnirostris (gavião-carijó), correspondendo a 60% (15/25) das aves examinadas. Na caracterização macroscópica das lesões, 96% (24/25) das aves apresentavam lesões perfuro-contusas compatíveis com projétil balístico. Associada a elas, foi evidenciada a presença de lesões contusas: hematomas e fraturas em 50% (12/24) das aves analisadas, unicamente hematomas em 29,2% (7/24) e fraturas em 20,8% (5/24). Quanto à natureza das lesões, 48% (12/25) das aves apresentaram lesões classificadas em graves, 44% (11/25) leves e 8% (2/25) em lesão corporal seguida de morte. Em uma avaliação posterior, foi constatado o óbito em 56% (14/25) das aves durante ou pós-tratamento e 44% (11/25) receberam alta clínica. Porém, desse efetivo, 36,4% (4/11) apresentaram comprometimento de funções e 63,6% (7/11) estavam aptas a retornarem para a natureza. O número de óbitos e aves com comprometimento de funções correspondeu a 72% (18/25)”, descreve Raposo os fatos.
Esse tipo de arma de pressão é liberada para compra por qualquer pessoa física sem qualquer restrição de uso. Claro que a legislação vai condenar quem usa esse tipo de arma para causar crime ambiental, seja ele qual for e independentemente de se ter nota fiscal ou não da arma. A penalidade é a mesma para os crimes de caça: detenção de seis meses a um ano e multa, conforme artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais.
A incidência do gavião-carijó como a espécie mais acometida por esse trauma está intrinsicamente ligada ao tráfico de animais silvestres. Como os animais dessa espécie são de hábitos urbanos, ou seja, tem plasticidade em seu modo de vida para suportar as pressões urbanas, ela aproveita a facilidade fornecida por esse ambiente para encontrar parte de sua alimentação: pássaros de gaiola.
Esses pássaros são alvos fáceis já que geralmente ficam em suas gaiolas, em muitos casos são penduradas nas varandas ou janelas. O predador, que por seu comportamento natural vai diminuir sempre esforço para alcançar seu alimente, tem sua vida facilitada. Entretanto, esse comportamento motiva retaliação dos passarinheiros, sejam eles legais ou ilegais. Sabemos que a maioria dos pássaros é ilegal, vítima do tráfico, mas o fato de ter aves legalizadas não autoriza o ato de atirar no gavião, que já sofre com as pressões da urbanização e agora passar a ter de conviver com miras de arma de ar comprimido.
Dessa forma, é imprescindível a regulamentação do uso desse tipo de arma e a qualificação desses casos a outros crimes, como o tráfico de animais silvestres. E olha que estamos aqui com dados apenas de animais silvestres. Imagine se entrarmos para o mundo dos domésticos e como isso deve afetá-los também.
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