
Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Quando há vontade e se dá a devida importância à questão ambiental, não é a ausência de rigor da legislação específica que impede uma punição a traficantes de fauna silvestre. Explico: na imensa maioria dos registros de ocorrências envolvendo bandidos flagrados capturando, transportando, armazenando ou vendendo animais silvestres, delegados de Polícia classificam os casos nos artigos 29 e 32 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais, que tratam, respectivamente, de ações que configuram o comércio ilegal de fauna e os maus-tratos a animais. Essa interpretação, geralmente feita da forma mais simples possível, ignora possíveis agravantes previstos na legislação e permite enquadrar o delito como um crime de “menor potencial ofensivo” (Lei nº 9.099/1995), já que a pena prevista é inferior a dois anos de detenção.
O que acontece então? O delegado determina a confecção de um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) e o infrator é solto após assumir o compromisso de comparecer a uma audiência. Ou seja, sequer é aberto inquérito para investigar o crime, para saber de onde vieram os animais traficados, quem são os fornecedores, para onde eles seriam levados e por aí vai. O resultado é impunidade e traficantes de fauna sendo detidos mais de uma dezena de vezes – e sendo solto em todas as oportunidades.
Mas é possível fazer diferente. E com a mesma legislação. Sem mudar uma vírgula do que está escrito nas leis vigentes.
Na terça-feira, 27 de julho, o Fauna News publicou “Animais vindos da BA são resgatados de traficantes no momento da entrega em SP”, em que noticiou a prisão de três traficantes de animais, surpreendidos pela Polícia Militar na zona norte da cidade de São Paulo com 341 animais silvestres (21 já estavam mortos). Eram aves e jabutis que estavam chegando de caminhão de Feira de Santana (BA), um dos maiores centros de distribuição de fauna traficada do país.

O trio foi levado para a 1ª Delegacia da Divisão de Investigações sobre Infrações de Maus Tratos a Animais e demais Infrações contra o Meio Ambiente (DIIMA) e não para uma delegacia comum. E isso fez toda a diferença.
Na delegacia especializada, a prisão e a apreensão dos animais não seguiram o famigerado roteiro que leva à confecção de um termo circunstanciado de ocorrência e a liberação dos bandidos. O delegado Archimedes Cassão Veras Júnior utilizou os mesmos artigos 29 e 32 da Lei de Crimes Ambientais, mas foi aos detalhes.
Parágrafo 5º do artigo 29: “A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.”
Parágrafo 2º do artigo 32: “A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”
A soma das penas aumentou e permitiu manter presos os três acusados. Não foi registrado um TCO, mas um boletim de ocorrência, primeira peça para abertura de um inquérito, ou seja, de uma investigação policial.
Ufa! O crime será investigado.
O caminhão que chegava da Bahia com os animais e o carro dos dois receptadores de São Paulo também foram apreendidos pela Polícia.
Uma dica do jornalista
Se os animais silvestres são “propriedades do Estado” (artigo 1º da Lei nº 5.197/1967) e os 341 aves e jabutis foram capturados na natureza sem autorização do poder público, por que não autuar em flagrante por receptação qualificada (artigo 180 do Decreto-lei 2.848/1940 -Código Penal)?
“§ 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.”
Essa tese é defendida pelo delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, responsável em 2009 pela Operação Oxóssi, trabalho que desbaratou uma quadrilha de tráfico internacional de animais e conseguiu, junto com o Ministério Público Federal, a condenação de bandidos por receptação (entre outros crimes).
No 1º Seminário da Fauna Brasileira, promovido pelo Fauna News e a Agência Envolverde, Saraiva explica como ocorreu a aplicação do artigo 180 do Código Penal na Operação Oxossi (ver após minuto 50).
De qualquer forma, o delgado paulista Archimedes Cassão Veras Júnior mostrou que é possível fazer diferente. Está no boletim de ocorrência assinado por ele:
“A prática odiosa e disseminada do tráfico de animais silvestres é uma mácula que afeta a diversidade da fauna brasileira e, consequentemente, o direito constitucional fundamental dos cidadãos ao ambiente ecologicamente equilibrado, não apenas porque é invariavelmente acompanhado da prática de maus tratos aos animais traficados mas, também, porque sempre objetiva o lucro desmedido, de forma que a reprimenda legal às condutas dos indiciados não pode ser outra, senão a mais gravosa possível, para que se cumpram as funções primordiais da pena, quais sejam, de prevenção geral e especial dos delitos.”
Outra dica do jornalista: desta vez para a PM
Que tal, sempre que possível, levar os flagrantes para as delegacias especializadas? Garanto que é bem mais interessante, para vocês, a sociedade e o meio ambiente, ver seus esforços rendendo punição aos infratores do que presenciar bandido saindo pela porta da frente do distrito policial.
Pode ser que o Ministério Público ou a Justiça, se assim entenderem, soltem os acusados. Mas que amargar um período de cadeia pode ajudar a reduzir a impunidade, tenho certeza que pode.