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Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Desde o ano de 1998, quando iniciamos a estruturação da disciplina Polícia de Meio Ambiente (PMA) no Curso de Formação Profissional da Academia Nacional de Polícia (Polícia Federal), em Brasília, alguns dados nos chamaram atenção. Em razão da rigidez da administração da instituição com relação à origem dos dados, não seria possível a inclusão de números que não fossem corroborados com pesquisas bem fundamentadas. Um deles colocava que “cerca de 38 milhões de animais são retirados de seus habitats naturais anualmente”. Com algumas poucas modificações, encontramos, na internet, cerca de 20.600 resultados de busca e em boa parte deles os “38 milhões” são repetidos como um meme.
– No Brasil, cerca de 38 milhões de animais são retirados de seus habitats naturais anualmente, sendo aproximadamente 12 milhões de espécimes distintas. (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres – Renctas).
– Há uma estimativa de que sejam retirados anualmente da natureza 38 milhões de espécimes no Brasil (JUSBRASIL).
– Todos os anos mais de 38 milhões de animais silvestres são retirados ilegalmente de seu habitat no país, sendo 40% exportados, segundo relatório da Polícia Federal de 2017. (Biologia para Biólogos).
E por aí vai …
Talvez, tendo como base os números acima, outras conclusões foram tiradas:
– O tráfico de animais é um crime gravíssimo, está em terceiro lugar nas atividades ilícitas do mundo, logo após as armas e as drogas. Ela chega a movimentar de 10 a 20 milhões de dólares no mundo anualmente. O Brasil chega a participar de 5% a 15% do total mundial dessas comercializações…, sendo quatro milhões destinados ao comércio. (JUSBRASIL)
O país chega a arrecadar 2,5 milhões de reais ao ano na venda desses animais. (JUSBRASIL).
Alguns vão além:
– Brasil é o 3º maior mercado do mundo no tráfico de animais silvestres. (Canção Nova, notícias).
– Terceiro maior negócio ilegal do mundo, o tráfico de animais silvestres supera apenas o de armas e o de drogas sendo que, no Brasil, em cada 10 animais capturados pelos traficantes, apenas um sobrevive – 2010. (Extra, jornal do grupo Globo no Rio de Janeiro)
– O tráfico de animais silvestres é classificado como a terceira maior organização criminosa e lucrativa no mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e de armas, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Outras publicações expandem tais dados para além da fauna, colocando que:
– “o tráfico da vida silvestre, no qual se inclui a fauna, a flora, seus produtos e subprodutos, é considerado a terceira maior atividade ilegal do mundo.”
Aqui já temos a inclusão da flora, produtos e subprodutos.
– “Ninguém sabe a exata dimensão desse comercio, mas estima-se que movimente anualmente de 10 a 20 bilhões de dólares por todo o mundo.” (Webster, apud Webb – 2001).
– “Estima-se também que o Brasil participa com cerca de 5% a 15% deste total.” (Rocha, 1995; Lopes, 2000).
Alguns autores fazem suas projeções tendo como base, dados:
– “coletados no comércio registrado dos Estados Unidos da América, que a cada ano movimente em todo mundo os seguintes números:
Primatas: 25 000 – 40 000 animais vivos, a maioria para pesquisa biomédica; aves: 5 milhões de animais vivos; 3 milhões de tartarugas criadas em cativeiro …”. (Block, 1987; Hardie, 1987; Fitzferald, 1989; Hemley e Fuller, 1994; Le Duc, 1996).
Aqui nos parece já existir algum controle e comércio legalizado.
Outros números apresentam os seguintes valores:
– “O tráfico ilegal seria responsável pela retirada de 12 milhões de espécimes da natureza, no Brasil, por ano.” (Renctas).
Esclarecem que este número é o único valor encontrado nas bibliografias consultadas, mas enfatiza que:
– “para se chegar a este valor, não foi utilizada metodologia alguma, o mesmo valor é apenas uma estimativa oficiosa da Associação dos Amigos de Petrópolis – Patrimônio, Proteção aos Animais, Defesa Ecológica – APANDE. E que esta estimativa se baseou em informações pessoais obtidas por Amado (OBS: pesquisador citado) na Superintendência do Ibama e no Batalhão de Polícia Florestal, ambos do Rio de Janeiro (Colagrossi).
Após alguma pesquisa cheguei ao 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, uma louvável tentativa do meu amigo Dener Giovanini e sua equipe de organizar o caos.
Faço aqui um parêntese. Não posso responder por outras instituições, mas como integrante de uma força de segurança que tem como atribuições a coleta, a organização de dados e a investigação, faço aqui uma mea-culpa: após anos de trabalho na área ambiental da Polícia Federal, se tem um ponto em que tínhamos relativa ineficiência era na coleta de dados na área ambiental. O assunto, pós Lei de Crimes Ambientais de 1998, quando começaram a ser criadas as Delegacias de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico (DELEMAPH), era muito novo. Nossos sistemas cartorários não tinham uniformidade. Em alguns Estados da federação, os sistemas informatizados não eram preparados para organizar a avalanche de informações processadas. Os chefes de cartório teriam muito trabalho para resgatar dados relativos aos registros anuais pretéritos para os vários tipos penais. No Sul do Brasil, usávamos o sistema SISCART, o mais moderno de todos e que ainda proporcionava, com certa facilidade, o resgate de informações. Em outras regiões do país, principalmente Norte e Nordeste, era tarefa quase impossível. Hoje, já contamos com um sistema eficiente e uniforme para todo território nacional.
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Voltando ao relatório, alguns números estavam lá:
Na página 31, a Renctas esclarece que:
“Com base nos dados oficiais das apreensões de fauna silvestre realizadas pelo Ibama no Brasil e nos números registrados das feiras do estado do Rio de Janeiro e no trabalho de Braga et.al (1988), a Renctas realizou uma projeção, utilizando-se de métodos estatísticos, e chegou aos seguintes valores:
a) Por ano, o tráfico de animais silvestres é responsável pela retirada de 38 milhões de espécimes da natureza no Brasil.
b) Tomando por base estas proporções, podemos dizer que são comercializados ilegalmente, por ano, no Brasil, aproximadamente quatro milhões de animais silvestres;
c) Com base nos dados dos animais apreendidos, e seus respectivos preços, foi estimado que cada ano o Brasil movimente em torno de… aproximadamente 900.000.000,00 (novecentos milhões de dólares).” (Saliento que no relatório consta também valores em reais, porém, coloco aqui apenas os valores citados em dólar).”
Porém, segundo Fitzgerald, 1989:
“Mundialmente, o comércio de aves é uma indústria muito variada, movimentando a cada ano, cerca de 44 milhões de dólares.” (se trabalharmos, aqui com as proporções encontradas em apreensões e destinações a centros de triagem – em um país como o Brasil, rico em avifauna –, verificaremos que, apesar de as aves serem o carro-chefe do tráfico, ficaremos muito aquém dos 70% – 85% encontrados normalmente).
Mas estão certos em dizer que:
“Qualquer iniciativa de quantificar uma atividade ilegal corre o risco de cometer erros. Por não se submeter a estatísticas ou controles, o tráfico de fauna silvestre é muito difícil de ser medido em números exatos. Uma outra dificuldade é uma completa inexistência de dados anteriores para uma comparação da evolução dessa atividade. O que a Renctas aqui apresenta são estimativas, por meio das quais é possível visualizar o que está ocorrendo com a nossa fauna.”
Segundo o relatório da Renctas, “tais dados foram coletados através de 27 questionários distribuídos pelos Batalhões de Polícia Florestal (BPF) no país. 25 foram respondidos e apenas Amazonas e Roraima não enviaram informações. Mesmo procedimento foi adotado para as 27 Superintendências do Ibama: sete responderam o questionário por completo, 12 responderam parcialmente e oito não responderam. Além dos questionários, foram coletados dados da Diretoria de Controle e Fiscalização, DEFIS, do Ibama, entre os anos de 1992 e 2000. Além de dados retirados de Workshops organizados pela própria Renctas”. (Nos workshops – alguns dos quais pessoalmente participei –, tivemos a oportunidade de coletar dados importantes, porém, muitos deles sem base técnica, apenas deduções).
Expandindo um pouco nossa pesquisa, a ONU e seu programa para o meio ambiente (PNUMA) são genéricos e pouco esclarecedores quanto a números e suas origens.
Longe de mim questionar as projeções de quem teve esse imenso trabalho, mas confesso que sempre considerei tais valores exagerados. Diante da dificuldade de organizar as informações, da quantidade de órgão envolvidos e da não centralização dos dados, a probabilidade de equívoco é imensa. Lidamos com variância onde existem, inclusive, incógnitas. É uma equação onde as variáveis são qualitativas. Se dividirmos os 38 milhões de espécimes por 12 meses – levando em conta especificamente os números em questão -, teríamos mais de três milhões de indivíduos circulando por embarcações, ônibus, caminhões e carros, todos os meses, por nossas estradas e rios.
Seriam nossos órgãos de fiscalização e forças de segurança federais, estaduais e municipais tão ineficientes assim? Nossos sistemas eletrônicos de controle não estariam funcionando como previsto? Estaríamos com esse nível de descontrole nas unidades de conservação? Haveria residências e mercado para tantos animais assim? Haveria um sistema de controle, marcação e notas fiscais frias para essa quantidade imensa de animais ilegais? Das 517 organizações não governamentais que operam na Amazônia, 103 delas atuam diretamente na área ambiental e de proteção animal. Seria possível não conseguirmos um mapeamento, dados numéricos mais precisos e ajuda efetiva no controle do tráfico por parte desses entes que recebem tantos fundos, inclusive do exterior? Estariam nossos países vizinhos com tal descontrole de suas fronteiras e de seu patrimônio natural? Estaria a Europa, a Ásia e os Estados Unidos, com suas rígidas legislações, cometendo tal falha?
Vamos refletir…
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