Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Uma das questões mais importantes sobre solturas é para onde destinar os animais, ou seja, quais e quantas áreas de soltura terão condições técnicas ou estarão disponíveis.
Conforme já exposto na coluna, as áreas de soltura foram criadas pelo Ibama e têm a finalidade de dar apoio as ações dos centros de triagem e de reabilitação de fauna silvestre, os Cetras, (Instrução Normativa do Ibama nº 23/2014). Também conforme já relatamos, cada Estado brasileiro possui um número variado de áreas para soltura. Em alguns, como São Paulo, a gestão dessas áreas foi transferida para as secretarias estaduais.
A questão é como o arranjo institucional das áreas de soltura afeta a ação de soltura, sobretudo considerando o quão polêmica (ingerência institucional, falta de recursos, tráfico de animais, lista pet, caça ilegal – que estão querendo legalizar – , entre outros) é a gestão da fauna silvestre em nosso país.
Uma forma de abordar essa questão é olhar para o texto do Edital nº 2, lançado em 2020 e aberto pelo Ibama para dar suporte às questões relacionadas à soltura de animais de nossa fauna e para melhorar a atuação dos Cetras. O texto aponta como objetivos principais:
– promover a estruturação dos Cetas;
– estruturação e cadastramento de novas áreas de soltura;
– projetos relevantes para a conservação de animais silvestres, endêmicos, ameaçados, espécies chave ou de ocorrência rara; e
– projetos de monitoramento de animais silvestres nativos para a produção de informação ambiental alinhada às políticas públicas e prioridades do Ibama.
A análise do Edital nº 2/2020 indica exatamente os pontos de gargalo para as ações de soltura e, apesar da atuação de entes estaduais e até mesmo municipais que também atuam com soltura, é evidente que eles não foram superados. De fato, em algumas regiões do país, os tais gargalos aumentaram, tornando a ação de soltura um ato altamente burocratizado e lento, ou seja, uma situação incompatível com as demandas reais dos animais que se pretende soltar.
Um outro conjunto de documentos também nos ajuda a entender a questão do arranjo institucional atual para a realização de solturas. Até o ano de 2010, é possível encontrar robustas publicações organizadas pelo Ibama relacionadas a solturas. Em comparação, o estado de São Paulo, através da SAVE Brasil, tem apenas uma publicação, elaborada no ano de 2013, mas divulgada apenas em 2017. Ou seja, em algum ponto do caminho, sobretudo com a entrada de novos atores na gestão do sistema de fauna, a ação de soltura perdeu força e passou a não ser prioridade.
Uma das consequências diretas dessa situação é o famoso “efeito tostines” (adoro citar isso!): não apreendemos animais em situação irregular pois não temos como soltar; não soltamos pois não recebemos animais!
Outra consequência é que nunca se traficou tantos animais silvestres como agora, sem contar as decisões judiciais que permitem que infratores fiquem com animais silvestres, que podem variar de um simples canário-da-terra a até cascavéis e queixadas! Sim, afinal, por que não? Se um indivíduo consegue uma decisão judicial favorável para manter o “seu” animal silvestre, outro também pode, seja qual for o animal e quais forem as consequências para a sociedade e para o meio ambiente. Um verdadeiro festival de horrores! Hoje vivemos a bizarra situação de sermos “punidos” por desejarmos que a Constituição seja cumprida, ou seja, que todos tenham direito a um meio ambiente equilibrado.
Termino este artigo com a seguinte mensagem: enquanto silenciamos para esse estado de coisas, a destruição do meio ambiente segue de vento em popa. Enquanto debatemos de forma interminável, animais estão sendo traficados. Enquanto achamos que esse não é nosso problema, a ideia de a fauna silvestre ser tratada como propriedade privada avança e ter queixada ou cascavel em apartamento poderá ser o novo normal.
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