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Por Dimas Marques
Editor do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Ser um comunicador responsável não significa, simplesmente, ter voz nos meios de comunicação de massa e transmitir qualquer tipo de informação.
Ser um comunicador social exige ter consciência de que se está transmitindo informações para muita gente. E, sobretudo, que os veículos de comunicação de massa fazem parte das instituições sociais que formam o senso comum.
A chamada mídia, seja a imprensa, a publicidade ou programas de entretenimento, influenciam a sociedade. Por isso, jornalistas, publicitários, artistas e apresentadores de televisão são chamados “formadores de opinião”.
Isso não significa que a mídia tem o poder supremo de manipular mentes e que a população é totalmente vítima desses formadores de opinião e dos interesses que eles representam. Mas que há forte influência, isso há.
Com a popularização de tecnologias que permitem a cada um transmitir mensagens de texto, vídeo ou áudio em redes sociais e plataformas como o YouTube e do universo do podcast, essa responsabilidade parece ter perdido um pouco o sentido. Afinal, o que mais se encontra hoje em dia é gente tentando ser ouvida, lutando para ter seguidores e opinando sobre tudo.
Mas esse fenômeno social recente não significa o desaparecimento da responsabilidade do comunicador. Essa continua a existir, independentemente de os novos comunicadores online terem noção da importância do papel que desempenham.
Comunicadores descompromissados com o bem comum sempre existiram. Ele agem impelidos pelo desejo de fama e dinheiro ou a serviço de interesses de grupos que atuam nos bastidores. Seja por ignorância ou má-fé, eles transmitem muita informação errada.
Mas, em favor da democracia, eles não devem ser censurados. Eles devem ser educados e chamados a atenção.
Se erraram por ignorância, é só pedir desculpas e continuar a seguir a vida tentando não errar novamente.
Se agiram por má-fé, que sejam desmascarados.
As declarações do apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, sobre o a importância (ou, para ele, falta de importância) dos trabalhos desenvolvidos para conservar o mico-leão-dourado, veiculadas em seu programa no SBT no dia 16, devem ser objeto de reflexão.
Ratinho declarou:
“Eu tava vendo no YouTube, uma entrevista do Chico Anysio com o Jô Soares. Ele tava falando, ele tava se perguntando pra que o hipopótamo? Pra que serve o hipopótamo? Pra comer não serve. Quem come hipopótamo? Só outro hipopótamo. Não há necessidade.
Rinoceronte… Aquele baita daquele chifrão, pra quê? Não ara a terra. Qual a necessidade?
É impressionante!
Aquele mico-leão-dourado. Eles pegavam helicóptero, pegavam o mico-leão-dourado e leva o miquinho pra lá e leva o miquinho pra cá. Se morresse tudo quanto é mico-leão-dourado, o que que iria mudar pra nós? Nada.
Vamos cuidar das pessoas, gente, por favor.”
A repercussão entre ambientalistas e protetores de animais foi imediata. Em resposta, o secretário executivo da Associação Mico-Leão-Dourado, Luís Paulo Ferraz, publicou na página da instituição no Facebook:
“Caro Ratinho,
A Associação Mico-Leão-Dourado manifesta preocupação com seu comentário no programa de TV desta segunda-feira, 16 de setembro, em relação ao mico-leão-dourado, espécie única da fauna brasileira e ameaçada de extinção:
“Se morresse tudo quanto é mico-leão-dourado o que é que iria mudar pra nós? Nada. Vamos cuidar das pessoas, gente, por favor.”
https://www.youtube.com/watch?v=yny9iArgkv0
Minuto 31:48
Como formador de opinião, gostaríamos de lhe esclarecer que, ao proteger o mico-leão-dourado, estamos cuidando não só da espécie, mas também das pessoas. Vamos explicar como isso acontece:
1- O mico é um animal dispersor de sementes, que ajuda a semear florestas, que por sua vez, protegem as águas da importantíssima bacia do rio São João, no Rio de Janeiro. As águas desta bacia são as principais responsáveis pelo abastecimento hídrico de toda a região dos Lagos, no Rio de Janeiro, onde se localizam cidades como Cabo Frio, Araruama e Búzios, entre outras. Mais de 530 mil pessoas vivem na região.
2- Proteger o mico-leão-dourado também gera emprego e renda. A Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD) emprega 15 funcionários, além de estagiários, consultores e prestadores de serviço, a maioria da comunidade local. Mais de 20 trabalhadores plantam florestas diariamente para recuperar o habitat do mico. Cinco famílias de agricultores alimentam seus filhos produzindo e vendendo mudas para utilização em nossos plantios de floresta.
3- Com todas essas parcerias, a AMLD já plantou mais de 740 mil mudas de árvores nativas, reflorestando milhares de metros quadrados de áreas degradadas. Isso representa mais água e mais qualidade de vida para quem vive aqui.
4- Além disso, o programa de ecoturismo para ver o animal na natureza atrai turistas de todo o mundo e isso também gera renda paras as comunidades locais. Esse programa é feito com a participação ativa de proprietários rurais que permitem o acesso dos turistas às áreas de mata preservada em suas fazendas.
5- Proteger o mico também produz ciência e conhecimento. Recebemos cientistas e pesquisadores de importantes universidades do Brasil e do mundo. Mais de 60 famílias de agricultores são beneficiadas por nossos cursos e mutirões em agroecologia. Professores da rede pública participam de programas de educação ambiental e levam esse conhecimento para milhares de crianças nas salas de aula.
6- O município de Silva Jardim, onde fica a Reserva Biológica de Poço das Antas, tem um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Rio de Janeiro (número 87 entre 92). Estamos fazendo a nossa parte para ajudar a mudar este cenário. Participamos do “Movimento Silva Jardim Sustentável” com proprietários rurais, professores, artesãos, comerciantes, agricultores e todos os que reconhecem o mico-leão-dourado como referência da região.
7- Importante destacar que o orçamento da AMLD não conta com um único centavo de dinheiro público. Pela Constituição Federal, o Estado deveria, sim, investir para proteger a natureza e ajudar iniciativas como a nossa. Mas dependemos de parcerias e doações, nacionais e principalmente internacionais, além da prestação de serviços.
8- Por último, nunca utilizamos helicópteros para transportar os animais.
Nosso trabalho é fruto de um grande esforço coletivo, feito com muita seriedade, e ajudou a transformar o mico-leão-dourado em um símbolo de resistência e da conservação da natureza no Brasil. Temos o reconhecimento das principais instituições de pesquisa e entidades de conservação da natureza no Brasil e no mundo.
A espécie é exclusiva do Rio de Janeiro. Não existe em nenhum outro lugar no mundo e é considerada um tesouro da biodiversidade mundial, tendo sobrevivido ao desmatamento e ao tráfico de animais. Atualmente, o primata pode ser encontrado em apenas em oito municípios no interior do Rio de Janeiro.
Ao protegê-lo, estamos protegendo as matas em que ele vive e que ajudam a equilibrar o clima; os rios que nos fornecem água, o solo que produz alimentos e nos sustenta e estamos protegendo também muitos outros animais da Mata Atlântica. Todos os animais têm sua função na natureza, desde os primatas até os pequenos roedores.
Diante de todo o exposto, consideramos que o senhor tratou o trabalho de conservação da espécie de maneira equivocada. Pois estamos, sim, cuidando de pessoas.
O mundo mudou, o Brasil mudou. Os tempos são outros. Hoje, a ciência sabe muito mais sobre o papel de cada espécie na natureza do que na época em que o saudoso Chico Anysio fez a declaração a que o senhor se referiu. Hoje, uma declaração como a sua é uma séria ameaça à espécie. Além de atingir pessoas que tem dedicado sua vida ao trabalho de preservação do animal.
Certos da sua compreensão, contamos com uma retratação da sua parte e com a divulgação de nossos esclarecimentos.
Aproveitamos para convidá-lo a conhecer a AMLD e a ver o mico-leão-dourado de perto. E pedimos que faça uma convocação a sua vasta audiência: o senhor sabia que dia 21 de setembro é o Dia da Árvore? Por que não nos ajuda a plantar mais florestas?”
A resposta foi completa e precisa.
Ainda que não se queira enxergar a conservação da biodiversidade como uma tarefa repleta de respeito pelo direito intrínseco dos seres de outras espécies também viverem bem neste planeta, fica claro que a sobrevivência dos humanos depende da existência desses outros seres.
Ficou claro também que projetos de conservação, como o conduzido pela Associação Mico-Leão-Dourado, não cuidam somente de bicho. Para cuidar de bicho, é preciso também cuidar de gente.
O trabalho do Projeto Tamar com as comunidades que vivem em áreas de desova de tartarugas-marinhas no Brasil já se tornou um paradigma da inseparável ligação entre conservação e melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Ser comunicador exige responsabilidade. O fato de o Programa do Ratinho ser uma atração voltada ao entretenimento não exime o apresentador de ter compromisso com o bem comum.
Ainda mais em tempos sombrios, em que dirigentes do país propagam e incentivam o uso indiscriminado e destrutivo da natureza, sem o menor respeito e compromisso com a manutenção da vida de outras espécies e das gerações futuras do próprio Homo sapiens.
Ratinho, humildade em admitir que errou. Faça o certo.