
A feira de domingo de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, é um dos pontos de tráfico de animais mais conhecidos do Brasil.
Foi na primeira metade do século passado que aves silvestres começaram a ser intensamente comercializadas em Duque de Caxias. A famosa feira do município fluminense já existia e, sob uma frondosa jaqueira de um terreno baldio da avenida Presidente Vargas, em frente ao atual Mercado Municipal, passarinheiros se encontravam para trocar experiências e animais.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), pelo menos dois mil animais são vendidos a cada domingo em Duque de Caxias. “O número foi informado pelos setores de inteligência da polícia. É uma estimativa pela quantidade de animais apreendida e pelo tamanho da feira”, afirma Renato de Freitas Souza Machado, procurador da República no município, em São João de Meriti e em São Gonçalo (RJ). As investigações de Machado sobre o tráfico de fauna na região começaram em 2008 e culminaram, no ano seguinte, com a Operação Oxossi, em que 72 pessoas foram presas pela Polícia Federal, e com ações penais contra mais de 150 pessoas de nove estados brasileiros e de três países. Alguns dos investigados atuavam no comércio ilegal de animais na feira de Duque de Caxias.
Inúmeras operações da Polícia Militar Ambiental (principalmente), Polícia Federal e Ibama já foram e são realizadas no local, mas o problema persiste – e vai continuar a existir enquanto houver gente comprando e enquanto o poder público não investir em um trabalho sério para conscientizar a população.
No último domingo, 7 de dezembro de 2014, mais uma investida repressora:
“A operação resgatou 180 pássaros silvestres, prendeu cinco pessoas e apreendeu sete menores. Ninguém tinha licença ambiental. Se conseguissem vender os animais, o valor seria de aproximadamente R$ 300 mil.
Entre os animais, foram apreendidos 74 canários da terra, 1 tiê sangue, 46 pixoxós, 31 coleiros, 2 papagaios, 2 galinhos da serra, 2 tico ticos, 13 curiós, 6 trinca ferros, 2 azulões e 1 tizil. Todos foram transportados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres, em Seropédica, na Baixada.” – texto da matéria “Polícia apreende 180 pássaros silvestres avaliados em R$ 300 mil”, publicada em 7 de dezembro de 2014 pelo site SRZD do jornalista Sidney Rezende
Os estimados R$ 300 mil indicam o valor desses 180 animais no mercado negro. Mas, com certeza, eles valem muito mais. E essa nova avaliação não deve ser feita em reais ou qualquer outra moeda.
A retirada dos bichos de seus hábitats implica, por exemplo, em perda de biodiversidade, com redução da vegetação (afinal, os animais auxiliam na dispersão de sementes) e a consequente diminuição da água. Um problema não só para os homens, mas para todos os seres vivos.
E, sobretudo, a incalculável crueldade na captura, armazenamento, transporte e manuseio para a venda, além da posterior criação de forma incorreta (com problemas de espaço e dieta, sem contar a não convivência com os de suas espécies) dos animais. Sofrimentos esses que impossíveis de serem dimensionados com dinheiro.
Mas se alguém ainda quiser pensar em dinheiro, coloque na conta que a entrada de animais silvestres retirados diretamente da natureza em ambiente urbano significa uma grande possibilidade de ocorrer transmissão de zoonoses, doenças transmitidas para humanos. São mais de 180! E, além do risco de mortes humanas, o problema acarreta em gastos do poder público no sistema de saúde.
Também a apreensão desses animais obriga o poder público a abrigá-los e tratá-los, mesmo que com investimentos mínimos nessa área. Significa gastos em, raramente e quando possível, ações de revigoramento populacional, conhecidas como reintroduções por meio de solturas.
Limitar o tráfico de animais em valores de venda no varejo é um erro, inclusive para quem prefere trabalhar com valores monetários. Essas vidas não têm preço e são muito caras!