Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. É professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde atua no Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar)
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Olá! Este é o meu primeiro artigo para o Fauna News e fui incumbido de escrever sobre mamíferos marinhos. Por isso achei interessante começar contando para vocês quem são eles.
Inicialmente, gostaria de contar que os mamíferos marinhos são um grupo que está dentro dos mamíferos aquáticos, que obviamente está dentro dos mamíferos, que está dentro dos vertebrados e por aí vai. A partir desta introdução, minha ideia é criar uma série de textos que abordem os mais diversos assuntos relacionados a estes incríveis animais. Particularmente, eu tenho muito interesse pelas questões biogeográficas marinhas que, de certa forma, incluem assuntos tão diversos como evolução, distribuição, taxonomia, sistemática, geologia, etc.. Então vamos lá e boa leitura!
O termo mamíferos marinhos é comumente utilizado para designar um grupo de mamíferos (linhagens) que utilizam e dependem do mar para sua sobrevivência. Esses animais, assim como todos os outros tetrápodes (animais vertebrados terrestres, que possuem quatro membros, como os Sauropsídeos – aves e répteis -, os anfíbios e os mamíferos), evoluíram a partir de ancestrais terrestres. Sua adaptação ao ambiente marinho inclui uma série de modificações morfológicas, fisiológicas e comportamentais, como é possível observar nos cetáceos (foto acima). Repare na forma fusiforme do corpo, na modificação dos membros anteriores em nadadeiras, na ausência de membros posteriores, na presença de uma cauda propulsora, na posição do orifício respiratório no topo da cabeça, entre tantas outras.
O grupo dos mamíferos marinhos engloba em torno de 130 espécies (atuais, sem contar as espécies extintas) distribuídas nos mais diversos ambientes do planeta e que têm as mais variadas formas e requerimentos ecológicos. Por enquanto, o importante é você entender que ao longo da evolução dos mamíferos, eles se diferenciaram em grupos bem distintos e sabemos que as suas adaptações ao ambiente aquático aconteceram de forma independente (cada um dos seus ancestrais iniciou a jornada de retorno para a água de forma diferente, em tempos diferentes e em lugares diferentes do planeta). Isso aconteceu em pelo menos em sete linhagens, duas das quais já extintas.
Dois desses grupamentos são exclusivamente aquáticos: os cetáceos (baleias, botos e golfinhos) e os sirênios (peixe-bois, manatis e dugongos). Isso quer dizer que eles vivem toda a sua vida na água, pois nascem, crescem e morrem no ambiente aquático. Outras três linhagens estão na ordem Carnívora e não são exclusivamente aquáticos, embora se alimentem exclusivamente no mar. Eles dependem do ambiente terrestre para sobreviver, pois é onde dormem, se reproduzem e dão à luz seus filhotes, entre outras atividades. Essas três linhagens são os pinípedes (focas, lobos-marinhos, leões marinhos, elefantes-marinhos e morsas), o urso polar e a lontra. Embora estejam na mesma ordem, eles possuem trajetórias evolutivas diferentes.
Os mamíferos marinhos são animais super interessantes, assim como todos os seres vivos do planeta. Mas alguns mamíferos marinhos despertam nos seres humanos sentimentos particulares e uma grande curiosidade desde os mais remotos tempos. Muitos desses sentimentos podem estar relacionados ao pouco que sabemos deles, às suas habilidades cognitivas, à sua forma e até ao seu tamanho. A baleia-azul (Balaenoptera musculus) é um dos maiores vertebrados que já habitou o planeta. Elas podem chegar a medir 33 metros de comprimento e pesar mais de 160 mil quilos (esse peso equivale a algo em torno de 18 elefantes). Por outro lado, a toninha (Pontoporia blainvillei) é um pequeno cetáceo que pode chegar a medir 1,75 metro e pesar 50 quilos. Nos dois casos, curiosamente, as fêmeas são maiores que os machos, um padrão um pouco diferente do encontrado nos mamíferos em geral.
Os mamíferos marinhos são encontrados por todo o planeta e possuem padrões de distribuição bem específicos. Algumas espécies estão restritas a pequenas áreas geográficas, como o boto-de-Lahille (Tursiops gephyreus), que é encontrado apenas em águas costeiras da Argentina, do Uruguai e do sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
Outras espécies, como a orca ou baleia-orca (Orcinus orca), se distribuem em praticamente todos os oceanos, incluindo regiões polares como a Antártica. Embora a orca seja conhecida por baleia-orca ou baleia-assassina, ela pertence à família Delphinidae. Essa é a mais diversa de todas as famílias de mamíferos marinhos e engloba desde o golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) até espécies bem pouco conhecidas como o golfinho-liso-do-sul (Lissodelphis peronii). Para entender melhor porque a orca é mais aparentada com os golfinhos do que com outras baleias, discutiremos isso em um texto futuro.
A foca-caranguejeira é considerada o mamífero não humano de grande porte mais abundante da Terra e sua população é estimada em torno de 15 milhões de indivíduos. No outro extremo, temos espécies praticamente desconhecidas para a Ciência, sem falar daquelas que ainda não foram descritas. Como exemplo, podemos citar uma espécie de baleia-bicuda, a Mesoplodon traversii (spade-toothed whale – sem nome em português), que é considerada a espécie de baleia menos conhecida e um dos mamíferos mais raros do mundo. Essa espécie é conhecida apenas por uma mandíbula que representa seu holótipo (animal usado na descrição da espécie) coletado na Nova Zelândia, por dois indivíduos encalhados (uma fêmea e seu filhote) também na Nova Zelândia e algumas peças ósseas do crânio de um indivíduo encalhado na ilha de Juan Fernandez, no Chile.
Por último, mas não menos importante, gostaria de abordar um pouco sobre conservação, pois atualmente diversas espécies de mamíferos marinhos estão seriamente ameaçadas de extinção. Entre os sirênios, a vaca-marinha-de-steller (Hydrodamalis gigas), espécie que habitava as águas geladas em torno do mar de Bering, é um exemplo de como a caça desordenada que aconteceu no século 19 pode levar uma espécie a desaparecer. Atualmente, existem diversas espécies ameaçadas de extinção, ou seja, que em curto, médio ou longo prazo correm o grande risco de desaparecer do planeta.
No Brasil não é diferente. Atualmente, temos nove espécies de mamíferos marinhos em alguma categoria de ameaça da Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção. Dessas, temos uma espécie de sirênio, quatro espécies de cetáceos misticetos e quatro espécies de cetáceos odontocetos. Os motivos que levaram estas espécies a correr esse risco são dos mais variados e vão desde os efeitos pretéritos da caça comercial de baleias até as capturas acidentais em redes de pesca, passando pela degradação do habitat.
Como você pode ver, os mamíferos marinhos são um grupo muito diverso e interessante, sendo impossível abordar todas as suas particularidades em apenas um artigo. Por isso, no próximo mês, irei escrever sobre a biodiversidade de mamíferos marinhos do Brasil.
Um abraço e até lá!
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