Por Ana Júlia Cano
Coordenadora de Comunicação da SAVE Brasil. Nasceu em Campinas, mora em São Paulo e passarinha desde 2018
observacaodeaves@faunanews.com.br
Eu não sou bióloga, muito menos ornitóloga. Comecei a passarinhar em 2018 e todos os dias aprendo lições do iniciante ao avançado com pessoas incríveis com as quais tenho o prazer de conviver em grupos sobre aves no WhatsApp. E esta semana, um colega muito bacana chamado Guto Carvalho me escreveu por lá: “Precisamos brindar Sick”. Dei um “pesquisar” no HD da minha cabeça e o único arquivo encontrado foi uma memória.jpeg da primeira página do livro 15 Histórias de Conservação, recém-lançado pela SAVE Brasil. Nesta página, o livro todo é dedicado a Helmut Sick, ornitólogo e naturalista. E isso era tudo que eu sabia sobre ele até então.
Como passarinheira iniciante e novata na SAVE Brasil, me restou pesquisar por que eu deveria brindar Sick nesta semana. Exponho aqui sete das muitas razões pelas quais eu e você devemos erguer a taça ao falecido ornitólogo.
1. Sick dedicou 50 anos da sua vida estudando as aves brasileiras
Sick nasceu na Alemanha e veio para o Brasil em 1939. Ao longo da sua vida por aqui, publicou mais de 160 trabalhos científicos sobre as aves brasileiras, dentre tantas outras contribuições que fez para a ornitologia e para a observação de aves. A despeito de sua carreira como ornitólogo e naturalista, ele não teve uma vida muito fácil em seus primeiros anos no Brasil e você pode saber um pouco mais sobre isso a partir deste achado – um texto que Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre Sick, intitulado “Um sábio discreto”.
2. Sick publicou um dos maiores e mais completos livros sobre aves que temos até hoje no país
Em 1975, Sick publicou o livro Ornitologia Brasileira, uma introdução. O livro é considerado a bíblia da ornitologia brasileira, sendo consultado por muitos pesquisadores até hoje. Encontrei um curioso e emocionante compilado de relatos, organizado por Marco Aurélio Crozariol e Fernando Pacheco, contando como algumas pessoas importantes na área da ornitologia e da observação de aves adquiriram seus exemplares.
Quando questionado sobre o subtítulo do livro ,“uma introdução”, Sick respondeu: “Esta modéstia é porque sei que essas quase mil páginas são só um começo. Quem conhece as aves do Brasil sabe bem por que mil páginas é quase nada, só uma introdução. Tenho um diário com quase nove mil páginas”. Leia a entrevista completa com ele, dada em 1989 para a edição 28 da Atualidades Ornitológicas.
3. Coletou importantíssimos materiais ornitológicos em suas expedições pelo Brasil
Depois de uma fase bem difícil de sua vida, Sick foi contratado pela Fundação Brasil Central para estudar aves e, em 1946, participou da expedição Roncador-Xingu-Tapajós, com os Irmãos Villas-Boas. Nesse período, ele reuniu um precioso conjunto de materiais ornitológicos, que se encontra no Museu Nacional (Rio de Janeiro), onde trabalhou por muitos anos e de onde partia para suas excursões para diferentes regiões do Brasil – sempre com a preocupação de coletar o maior número de dados sobre a avifauna brasileira. Sua produção científica o tornou conhecido fora do Brasil e o colocou em contato com os ornitólogos e as instituições científicas mais importantes do mundo.
4. Além de se dedicar à Ciência, Sick se preocupou em divulgar a observação de aves
Em 1974, junto com William Belton, Flávio Silva e Valter Voss, Sick ajudou a fundar o Clube de Observadores de Aves do Rio de Janeiro (COA-RJ), uma entidade destinada a reunir amadores interessados na observação de aves em seu ambiente natural. Ele era fã do COA-RJ e participava de todas as reuniões e saídas de campo. Vale lembrar que hoje, além do clube do Rio de Janeiro, temos COAs espalhados por todo o Brasil.
5. Era sócio ativo da Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)
Sick contribuiu com diversos artigos científicos para a Revista Brasileira de Ornitologia, chamada Ararajuba, publicada pela SBO. Ele viu a comunidade científica dedicada à pesquisa ornitológica se desenvolver e se animava bastante com isso.
6. Sempre ajudava de braços abertos pesquisadores e estudantes que o procuravam
Sick ajudou muita gente, dando oportunidade para jovens ornitólogos se desenvolverem com a sua orientação. Entre esses, destacam-se Dante Luiz Martins Teixeira, Luiz Antonio Pedreira Gonzaga, Lenir Berge, Maria Ignez Ferolla, entre outros espalhados pelo Brasil. Seus alunos seriam hoje mais de trezentos, considerando o registro de sócios da Sociedade Brasileira de Ornitologia – e sem considerar tantos outros estudantes que têm como livro de cabeceira o Ornitologia Brasileira, uma introdução.
7. Ele descobriu o mistério de quase 100 anos da arara-azul-de-lear
Descrita pela primeira vez em 1856, na Europa, com base em exemplares empalhados, a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) foi um enigma que intrigou pesquisadores durante quase um século. Apesar de aparecer em ilustrações e em coleções de animais de museus europeus, a ave nunca havia sido avistada por ornitólogos no Brasil, o que poderia indicar sua extinção. Somente em 1978, o mistério da arara-azul-de-lear foi desvendado em uma expedição ao nordeste da Bahia, feita por Sick. O habitat da espécie, a caatinga baiana, foi apenas uma das várias descobertas dele. Leia na fonte.
Este incrível ornitólogo nasceu no dia 10 de janeiro de 1910 e faleceu em 5 de março de 1991, no Rio de Janeiro. Nesta sexta-feira, prestamos homenagem aos 30 anos de seu voo infinito para as aves. E agora, assim como eu, você também tem seus motivos para brindar Sick. Siga as redes sociais da SAVE Brasil e do Avistar para acompanhar nossa homenagem a ele.
Para escrever esta coluna, utilizei informações dos links acima e trechos da edição 41 da Atualidades Ornitológicas.
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