Bióloga, mestra em Biodiversidade em Unidades de Conservação e guia de observação de aves da Brazil Birding Experts pelo Sudeste e Nordeste do Brasil
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Uma viagem de observação de aves bem planejada é primordial para uma experiência exitosa. Com planejamento é possível traçar objetivos e criar as melhores estratégias para que eles sejam alcançados. Por mais que a observação de aves seja uma atividade muito dinâmica e algumas vezes imprevisível, com um bom plano nós aumentamos, e muito, a chance de ter os nossos desejos correspondidos.
Tudo começa com o seu estilo. Você gosta de fotos? Gosta de lifers (espécies que a pessoa ainda não viu, ou seja, novas para ela)? Gosta de conhecer lugares novos, culturas diferentes, pessoas e ainda curtir as aves? O primeiro passo é escolher o seu destino! Tudo vai depender do que você está buscando em cada momento da sua vida.
Você é daquelas pessoas que adora viajar, ver gente nova e apreciar lugares deslumbrantes e ainda observar aves? Então você vai escolher aquele lugar de paisagens estonteantes, aprender a logística que existe por lá, se tem guia, se não tem, quais os potenciais lugares para observar aves e o que mais você precisa conhecer naquela região. Enfim, tudo! Hoje em dia tem tudo o que quiser na internet: relatos, pessoas que conhecem alguém que mora no local e pode levar você para conhecer lugares (a melhor forma de conhecer um destino de verdade!) e muitas dicas. Essa é a forma, mais fácil e relaxante, porque você só quer curtir! Se a tal choquinha aparecer ou não, você está feliz, curtindo e se divertindo.
Mas, se você quer aumentar o número de espécies observadas/fotografadas, sugiro verificar qual é a região que pode lhe proporcionar o maior número de espécies em um menor tempo (mais resultado, com menos dinheiro gasto). Isso significa fazer bem uma região! Vamos supor que você tem apenas 15 dias e nunca viajou para o Sudeste. O que mais otimizaria, seria concentrar em uma região específica e explorar esse lugar com calma, sem deixar lacunas e, obviamente, focando nas espécies que você não consegue encontrar em nenhum outro lugar. Assim, nas próximas viagens, você pode concentrar e ir completando outras regiões. Outra situação pode ser você viajar para algum lugar a trabalho, então você pode sempre tentar alguns dias a mais para explorar o entorno e já aproveitar boa parte da viagem paga.
É inquestionável que se você quer ver o maior número de espécies em um menor tempo em uma região que você não conhece, o melhor a fazer vai ser contratar um guia. Melhor ainda é se você estudar, souber o que quer fazer e informar ao guia os seus objetivos, como, por exemplo, enviar uma lista de espécies que deseja ver/fotografar. No caso de uma viagem com um guia ou uma empresa de birdwatching, você pode discutir tudo o que deseja para que possa ser organizado e seja uma experiência com pacote completo. Se for um roteiro envolvendo várias áreas, uma empresa pode deixar tudo preparado para que você não precise nem dirigir e nem se preocupar com nada durante a viagem (nada de reservar hotel, agendar guia, dirigir horas, pensar onde comer e tudo mais que envolve uma viagem).
Caso você tenha tempo e goste de explorar por você mesmo, é possível fazer como muitos observadores de aves fazem pelo mundo: estudar muito bem a região escolhida, tanto as questões logísticas quanto as aves do local. Você vai estudar quais as opções de hospedagem, a distância entre o hotel e os locais de observação, decidir seu meio de transporte, se terá guia local em alguma área, além de estudar as vocalizações e as principais diagnoses para identificar as aves. Se o objetivo for lifers, esse estudo é fundamental para que a viagem seja um sucesso. Já viajei bastante desse jeito e existem muitas ferramentas que podem ajudar.
Quando comecei a observar aves, uma das maiores ferramentas para os observadores de aves buscando espécies específicas e locais em um município eram as notas de um grande observador, o Jeremy Minns (detentor de uma grande coleção de vocalizações de aves brasileiras de boa qualidade – olha lá no Xeno Canto). As informações ficavam disponíveis no website do Arthur Grosset (um dos poucos com boas fotos de aves naquela época) e hoje podemos acessar a Jeremy Minns’ site notes, na página do Rick Simpson. Essas notas são muito interessantes, com explicações precisas de como encontrar cada espécie. Outra fonte de pesquisa essencial são os trip reports dos observadores que já passaram por aquelas áreas (você pode encontrar milhares na página: SURFBIRDS). Atualmente, está tudo mais fácil! Nós temos fontes de pesquisa como o WikiAves, eBird (esse com muitas funcionalidades para planejar viagens, veja a live Explorando Hotspots), iGoTerra e grupos de mídias sociais com pessoas que podem ajudar.
Baixar as vocalizações das aves não envolve mais gravar fitas k-7 e manusear um grande gravador. Facilmente, com um celular, quase todo mundo pode sair por aí tentando atrair as aves. Essa democratização da observação de aves está incrível e cada dia mais maravilhosa. Mas não podemos esquecer que algumas coisas não são tão simples quanto parecem. O playback é um exemplo: não é apenas dar o play, colocar no último volume e deixar lá tocando sem parar até que a ave pouse e faça o que você quer. Isso é violento; isso não se faz. Eu quase não usava playback quando apenas observava aves ou trabalhava como ornitóloga (salvo os casos em que a metodologia envolvia o seu uso). Comecei a utilizar recentemente (2018), quando me tornei guia de observação de aves.
Foi então que percebi o quanto o playback é um estudo finíssimo, uma arte, um momento de pura conexão com a ave que ali está. É muita ciência envolvida; é o ato de se comunicar com aquela ave e fazer com que ela se aproxime de você! Se aproximar brava, curiosa, não se aproximar… Tudo vai depender da nossa interpretação da situação. Será que a forma que se faz o playback (volume, intervalo de toque, tipo de voz, vocalização de outra espécie) determina o comportamento da ave que está sendo chamada? Eu acredito que sim! E isso é uma das coisas que mais me fascina quando estou guiando: a chance de estar ali e empiricamente conhecer um pouco mais sobre o comportamento dessas aves e o seu universo.
A cada contato com uma espécie, é como se eu adentrasse um pouco mais no seu mundo, percebendo quando ela está começando a ficar estressada e deixá-la em paz, vendo por onde ela vai passar e onde empoleira para cantar, como ela vai chegar e onde eu devo ficar atenta. Envolve muito estudo e muito zelo com a ave que ali está. Por isso, eu acho muito importante o cuidado e atenção com o uso do playback. Carinho, dedicação e empatia são necessários. Que as caixas de som não se imponham também aos animais da floresta!
E vamos viajar, porque estar na natureza é perceber que nós somos natureza; é um encontro com nós mesmos, um despertar para tudo aquilo que está em cada um de nós. Se tem melhor alimento para a alma, eu desconheço!
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