Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Há muitos anos, eu tive a ideia de que só ficaria feliz se tivesse a chance de votar para a Marina Silva como presidente. Publiquei, em 2009, um artigo em O Eco, veículo para o qual escrevia na época, manifestando esse desejo. Quando saiu, mandei para a Marina que levou um susto, pois, segundo me disse pessoalmente, ainda não pensava nisso. O tempo passou e ela acabou sendo candidata, infelizmente sem emplacar a Presidência. Mas, mostrou a que veio! Aliás, sempre o fez com maestria em toda a sua vida pública.
Marina tornou-se símbolo de conservação ambiental e sustentabilidade. Tudo o que defende e faz tem coerência, com posturas éticas de proteção à vida, seja de culturas indígenas, populações ribeirinhas, gente com menos privilégios e acesso a oportunidades; ou empresários que almejam lucro, mas também visam contribuir para um Brasil melhor. Marina defende a unhas e dentes a biodiversidade brasileira. Sua trajetória profissional é prova disso. Quando foi ministra, de 2003 a 2008, o desmatamento no Brasil caiu ao menor patamar já registrado, 83% (2004 a 2012), devido a medidas eficazes, principalmente ao Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, que ajudou a conceber e gerir. Em sua gestão, houve um aumento significativo de áreas protegidas federais, perfazendo 24 milhões de hectares em unidades de conservação (UCs) onde havia forte pressão predatória. Quanto à fiscalização, 21 operações da Polícia Federal desmontaram quadrilhas poderosas, com a ajuda do Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), que ela também ajudou a criar.
Tudo isso aumentou sobremaneira a economia regional, o que mostra que um desenvolvimento bem-sucedido não necessita de derrubada de árvores ou de mais degradação ambiental. Ao contrário, a regeneração nunca esteve tão em alta e com potencial de se tornar um caminho de ganhos financeiros substanciais. Com ela, o ambientalismo foi de grandes conquistas e visionário por ter provado ser possível a adoção de caminhos alternativos ao desmatamento, tendo ciência como base aplicada a propósitos que incluem a proteção de gente e natureza.
Marina ganhou as eleições de 2022 e tornou-se deputada federal por São Paulo. Merecido e louvável. Uma vitória digna de celebração. Porém, o que choca e mostra outra realidade, ainda indecifrável do pleito em geral, é que Ricardo Salles, também ex-ministro do Meio Ambiente, conhecido como “anti-ministro”, praticamente deposto em decorrência de escândalos com venda de madeira em grande escala, desmonte dos órgãos de fiscalização e controle, conchavos com grileiros e madeireiros e famoso pela frase “vamos deixar a boiada passar” enquanto todos estão distraídos com a Covid, foi também eleito deputado federal por São Paulo.
Pois bem, Salles elegeu-se com quase três vezes o número de votos que Marina recebeu. E em sua gestão, o desmatamento alcançou índices vergonhosos (os piores em 11 anos, com mais de 200% de aumento em março de 2001, quando comparado ao mesmo período do ano anterior, que já era muito alto), os incêndios florestais proliferaram e a grilagem ilegal invadiu terras indígenas e unidades de conservação.
O que causa espanto é que o brasileiro sempre se disse amante da natureza e defensor da Amazônia. Não faz sentido algum as pesquisas sobre a importância de se conservar a Amazônia terem recebido respostas de apoio de quase 90% dos entrevistados, mas, na hora de votar essa prioridade não se manifestar. Esse paradoxo entre o que o brasileiro diz e como vota foi o ponto central de um artigo recente que escrevi com Marina Naves e Henrique Bezerra antes do pleito de domingo, ambos fundadores de uma nova empresa chamada Interface Advocacy Ambiental. Os sustos foram muitos, mesmo para os mais experientes em políticas públicas e seus mecanismos.
Prova de um desses descompassos foi claramente percebido com a publicação dos mapas de desmatamento da Amazônia que coincidem com as regiões onde o atual presidente recebeu maioria dos votos. Ou seja, a presença dos interessados em desmatamento se mostra atuante em locais que deveriam estar sendo protegidos.
Por que será que as pessoas votam em personagens que vêm se mostrando destrutivos, perversos, egoístas e atrasados? Talvez porque a população brasileira esteja envolta em uma névoa de medos que a deixa cega. Tenho pessoas próximas a mim que acreditam que as famílias vão se dissolver, as drogas entrarão sem controle, a Venezuela será o modelo civilizatório do Brasil se não for reeleito o presidente atual. Não percebem que essas já são realidades atuais e recorrentes, reforçadas por um culto à violência, às armas e às agressões, a invasões de terras dos indefesos, principalmente daqueles que dependem do poder público para manterem sua integridade e presença de militares em posições de mando (modelo adotado por Chaves na Venezuela), além de leis sendo mudadas para favorecer poucos. Está tudo ruindo, mas o medo embaça os olhos e os corações. Mais uma vez, estamos aprendendo pela dor e não pelo amor. Muito triste!
O que fazer?
A proteção dos BIOMAS (no Plural e com Maiúscula) deveria ser a grande prioridade de qualquer político minimamente coerente. É a maior riqueza do país e já existem provas de que desmatamento não traz progresso e sim conhecimento e empreendedorismo juntos em qualquer área, mas em especial em pesquisas que guiem negócios. E o Brasil é celeiro de ambos – riquezas naturais e empreendedores com potenciais incalculáveis. Para que haja uma revolução “verde” a favor de ganhos econômicos, sociais e ambientais, é preciso construir uma nova pauta em educação. E é esta pauta que está carente de atenção e de investimentos em todos os níveis. Educação é a base para qualquer transformação e por isso precisa encabeçar a lista de investimentos de governos que façam diferenças profundas e longevas.
Mas até isso é desafiante, pois são raros os governantes que querem seu povo pensante. É mais fácil manipular quem não tem profundidade em suas reflexões. É mais fácil conduzir quem não é capaz de analisar causas e consequências. Menos ainda introduzir projetos que beneficiem o coletivo como prioridade e não ganhos pessoais, que muitas vezes causam danos aos demais seres humanos e à natureza.
Não desistir e manter a esperança é de fundamental importância num momento como o que o Brasil está passando. Para quem ama a natureza ou pode ser sensibilizado por ela, um caminho é maravilhar-se com os endemismos de nossos biomas, ou seja, espécies em geral raras, mas que vivem em habitat específicos e restritos a determinadas regiões. Salvá-las depende de ações integradas, cada uma com expertises distintas, que por sua vez dependem de educação. Mas, as espécies endêmicas podem despertar interesse e até paixões, que inspirem a vontade de protegê-las acima de tudo.
Um exemplo amazônico de uma espécie endêmica retratada em um livro muito lindo é sobre o sauim-de-coleira, escrito pelo Maurício Noronha, Dayse Campista e Marcus Aurélius Pimenta. Ilustrado pela Cris Eich, a obra é colorida, alegre e com desenhos adequados a crianças, mas encanta adultos também. O livro é chamado Sauim Isso ou Aquilo e teve apoio recente para impressão de seis mil exemplares para serem distribuídos nas escolas de Manaus (AM), local de seu habitat original, aliás, endêmico dessa região, um dos motivos de se encontrar ameaçado de extinção. Esse é um exemplo do encontro de arte e ciência, reforçando a essência da educação ambiental quando integra sensibilidade e razão.
Em um momento tão tenso e desafiante como o que o Brasil está enfrentando, lembrar o cidadão brasileiro do que de fato tem valor pode ser uma luz no fim de um túnel, mesmo que agora se encontre ofuscada. Precisamos de inspirações que tragam mudanças de valores que transmutem prioridades guiadas por uma ganância destrutiva à uma que celebre a diversidade da vida que interessa a todos. O Brasil só tem a ganhar!
Observação
Este texto representa minha opinião pessoal e não um posicionamento da instituição que tenho a honra de presidir.
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