
Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Entre tantas dúvidas relacionadas à reabilitação de animais silvestres feridos e/ou debilitados quando encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO) é: quanto tempo o animal irá permanecer sob os cuidados dos técnicos do centro? Ele vai poder ser reintroduzido?
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) define em sua Instrução Normativa nº 23/2014 (artigo 2, inciso XI) que a reabilitação é a ação planejada que visa a preparação e o treinamento de animais que serão reintegrados ao ambiente natural. Diante dessa definição, há o questionamento: mas quanto tempo isso leva?
O período de reabilitação de animais silvestres vítimas de atropelamentos, queimaduras, conflitos com animais domésticos, maus-tratos (agressões utilizando objetos perfurocortantes), colisão com vidros, muros e prédios, entre outras condições, não pode ser definido no momento da triagem. É importante considerar cada situação, conhecer o histórico (o que em grande parte é desconhecido ou alterado), além das condições físicas e clínicas, aspectos comportamentais e a espécie em questão. Ainda, quanto mais rápido for o encaminhamento para tratamento, maiores são as chances de recuperação.
Os relatos deste artigo são referentes à experiência das reabilitações do Cetas de Catalão, que em sua grande maioria é de aves e mamíferos e menor frequência de répteis.
As aves frequentemente encaminhadas são os periquitões-maracanã (Psittacara leucophthalmus), araras-canindé (Ara ararauna), seriemas (Cariama cristata) e espécies diversas de aves de rapina, apresentando fraturas ou luxações nos membros anteriores e/ou posteriores. Se comparada aos demais grupos de animais, as aves são desprovidas de algumas estruturas e órgãos, de forma a favorecer leveza e mobilidade durante o voo. Seus ossos são leves e, quando ocorrem fraturas decorrentes de impactos, eles podem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos ou apenas imobilizados com talas, com a cicatrização ocorrendo entre 15 e 40 dias.
Contudo, deve-se considerar o deslocamento dos fragmentos da fratura, presença de infecção e movimento no local lesionado, além de alterações neurológicas, comprometimento ocular e coordenação motora. Após todo o processo de recuperação (cicatrização óssea, constituição tecidual e avaliação motora), as aves são transferidas para recintos externos de forma a fortalecerem a musculatura e realizarem o treinamento de voos.

Já os mamíferos e os répteis necessitam de um período maior de reabilitação em determinados casos. Os répteis encaminhados são geralmente cágados-de-barbicha (Phrynops geoffroanus) provenientes do córrego Pirapitinga, que cruza o setor central do município, apresentando fraturas leves na carapaça decorrentes de atropelamentos em vias públicas. As serpentes chegam com cortes e perfurações, vítimas de agressões por humanos. No ano de 2018, foi encaminhada ao Cetas uma sucuri-verde (Eunectes murinus) de quatro metros com perfuração ocular no olho esquerdo. Iná, como foi batizada, permaneceu em tratamento por seis meses até a sua total recuperação. Ela foi devolvida à natureza.
Os mamíferos, por sua vez, apresentam ferimentos, fraturas, luxações, compressões vertebrais, além de caquexia (perda de peso e massa muscular) e desidratação. Em 2019, um ouriço-cacheiro (Coendou prehensilis) foi vítima de atropelamento na rodovia BR-050 e encaminhado ao Cetas com ferimentos no corpo e sem movimentos pélvicos, porém não foi constatada nenhuma fratura no exame radiográfico, apenas uma compressão vertebral. Maurício, como foi batizado, passou por um tratamento de nove meses, que incluiu a cicatrização das feridas, acupuntura, moxabustão, fotobiomodulação e fisioterapia diária.

Em 2020, uma fêmea de lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) foi resgatada num distrito próximo a Catalão, com ferimento na pata esquerda ocorrido há vários dias – fato observado durante a triagem devido à presença de miiase Ipresença de larvas de moscas) e necrose tecidual. Zuca, como foi denominada, permaneceu em tratamento por sete meses. Inicialmente, não estava respondendo aos antibióticos administrados, o que levou à possibilidade da amputação do membro para evitar uma septicemia (infecção generalizada). Entretanto, ela começou a reagir com o medicamento e, assim como o Maurício, recebeu as técnicas integrativas de reabilitação (acupuntura, moxabustão e fotobiomodulação), além de uma dieta balanceada para estabilizar o peso adequado.
Infelizmente, nem todos os animais feridos conseguem se recuperar e reestabelecer as condições físicas e comportamentais adequadas para retornar à natureza. O período de reabilitação é muito variável, envolve custos, dedicação e paciência da equipe técnica, principalmente com mamíferos de comportamentos naturais e que requerem mais cuidados durante o manejo. Esse período pode ser maior ou menor do que o esperado, contudo, o mais importante é proporcionar a cada um os cuidados necessários para sua recuperação e, sempre que possível, reintrodução.
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