Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Com as alterações climáticas e as mudanças de uso de solo convertendo florestas em pastagens ou condomínios, o que restou da Mata Atlântica continua sob ataque e a fauna silvestre que ainda teima em resistir, cada vez mais, vai entrando em “contato” com o ser humano. Na prática, o resultado disso tem sido um aumento de animais atropelados, animais “encontrados” em armários e embaixo de camas, sem contar os que acabam torrados nos incontáveis incêndios que estão acontecendo todos os dias. Esse cenário crítico agrava ainda mais o frágil arranjo institucional de proteção à fauna silvestre e cada animal estudado, resgatado, translocado ou reintroduzido ganha uma importância tremenda.
É uma corrida contra o tempo, para manter o pouco equilíbrio ecológico que ainda resta nos fragmentos de Mata Atlântica restantes. Existe uma lista de mais de 30 diferentes “serviços ambientais” que uma floresta saudável pode prestar. A presença de fauna nessas áreas é fundamental para garantir essa prestação de serviços que resulta, por exemplo, em abundância de água com qualidade. Mas, pelo andar da carruagem, nossas escolhas como nação têm sido no sentido contrário.
Voltando ao assunto de hoje, decidir e decidir. Como, estando diante de um grande problema como esse, tomar a melhor decisão?
Uma das características do momento atual é a fragmentação, ou seja, cada vez mais atores, de diferentes matizes, vêm atuando junto a questões de fauna silvestre. Tem fica mais complexo encontrar entidades com capacidade de realizar uma coordenação técnica à altura do desafio e que também tenham a capilaridade necessária para, de fato, atingir os envolvidos. Então, como atuar localmente?
Um dos pontos interessantes é que hoje estamos sempre a um clique de obter informação e tenho procurado aqui sempre trazer materiais úteis para quem trabalha com fauna ou apenas está resgatando um animal ferido ou que tenha caído do ninho, por exemplo. Hoje, apresento uma versão da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) sobre quais informações devem ser consideradas quando somos acionados por demandas relacionadas a animais silvestres.
A primeira questão é identificar a espécie. Isso implica em várias outras questões, tais como qual o local de distribuição da espécie, há a necessidade de contato com especialista para identificação, quais as características da biologia do animal, entre outras. Fácil responder tudo isso quando estamos falando de filhote de sabiá caído do ninho, mas muito complicado quando se trata de espécies menos comuns. Hoje, é cada vez mais comum que animais raros oriundos do tráfico e muitas vezes com origem em outros países venham parar em algum centro de triagem de fauna.
A segunda questão: qual o status de conservação da espécie em questão? E essa também não é uma questão simples, pois algumas espécies aparentam não estar ameaçadas, mas simplesmente porque não há dados disponíveis ou, o que é pior, por alguma questão pontual, como um incêndio, a espécie pode ter até sido extinta localmente.
A terceira questão é sobre a saúde do indivíduo e sua capacidade de sobrevivência após a soltura. Esse é um ponto crítico para a tomada de decisão que também não é fácil responder. Algumas espécies têm casos bem documentados que podem trazer ótimos subsídios para buscar essas respostas, mas para outras espécies há pouca ou nenhuma informação. Esse fato, somado à fragilidade da rede de apoio à fauna, condena muitos animais que estariam aptos a soltura a ficarem “esquecidos” em alguma instituição até o fim de suas vidas.
A quarta é: qual a razão pela qual o animal demandou uma intervenção? Maus -tratos? Tráfico? Abandono? Esse é um ponto muito importante e deve ser considerado, sobretudo, quando se trata de filhotes de certas espécies. Filhotes de coruja-do-mato são particularmente vulneráveis a essa situação, pois os animais jovens ficam no chão e aí alguém passa, o acha fofinho, considera que está abandonado e lá se vai o filhote para algum centro de triagem. Por sorte, essa espécie é “boa de garfo” e, em geral, são pequenas as perdas, permitindo que os animais possam ser soltos após algum tempo.
Por fim, o animal necessitará de repatriação? Esse é um grande desafio, pois para muitas espécies não existem áreas de soltura específicas e/ou a soltura demanda um alto investimento na reabilitação, como os grandes felinos. Isso sem contar os custos de translocação, digamos, partindo do Sudeste, maior centro de receptação de fauna no país, para uma espécie de origem amazônica.
Ou seja, qualquer que seja o tamanho da ação envolvendo fauna, a palavra de ordem é “desafio.” Mas uma coisa é certa, quanto mais tivermos informações, melhor serão nossas decisões no que toca a conservação da biodiversidade e do meio ambiente.
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