Quando as vítimas são condenadas: os 300 canários

As aves, salvas de traficantes de fauna pela Polícia Rodoviária Federal, foram mortas pela autoridade sanitária do Mato Grosso.

Roberto Cabral Borges

Nascido em 1969 na cidade de Juiz de Fora (MG), é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB).
É autor do livro Serpentes Peçonhentas Brasileiras – Manual de Identificação e Procedimentos em Caso de Acidentes (Editora Atheneu).
Foi professor de curso pré-vestibular, da rede de ensino estadual de Minas Gerais e de Zoologia e Biologia da Conservação do curso de Ciências Biológicas da Faculdade JK, em Brasília (DF). Atuou como professor do ensino fundamental e médio no Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF entre 1992 e 2002, quando ingressou no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como analista ambiental.
No Ibama, foi lotado na Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros (Difap), onde ficou co-responsável por centros de triagem de animais silvestres (Cetas) e pela gestão dos criadores amadoristas de Passeriformes. Nessa época (2004), visando aprimorar a gestão e o monitoramento da atividade, implantou com a equipe o projeto Cetas Brasil e o SisPass, sistema de gestão e monitoramento de Passeriformes.
Ainda em 2004, foi lotado na Diretoria de Proteção Ambiental, concluiu o curso de fiscalização e passa a exercer a função de Agente Ambiental Federal do Ibama. Em 2014, concluiu o curso de operações de fiscalização ambiental, tornando-se um dos integrantes do Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do órgão.
Atualmente, também é Coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama.

12 de setembro de 2023

FAUNA NEWS - Canários salvos do tráfico são mortos no Mato Grosso.

Trezentos canários-da-terra foram apreendidos no Mato Grosso. Segundo informações, teriam vindo da Venezuela. Todos foram mortos pela autoridade sanitária.

Algumas questões relevantes devem ser consideradas. Quem os identificou? Esse profissional era um biólogo capacitado ou especialista em aves? Ou a decisão de morte decorreu apenas com base no relato do traficante? Como foi a metodologia de abate? Ela seguiu os preceitos do Conselho Federal de Medicina Veterinária? Eles estavam doentes ou contaminados? Algum exame foi executado? Qual o resultado do exame? Por que não se adotou a quarentena?

“Mas não se pode arriscar a avicultura nacional” seria a resposta padrão dos que defendem o extermínio. Então posso supor que não é autorizada a importação de nenhuma ave no país, certo? Errado.

Não importamos nenhuma ave? Importamos sim, inclusive papagaios exóticos e outras aves com objetivo meramente de deleite pessoal. Mas isso não poderia arriscar a avicultura nacional? Sim.

Mas esses animais que são importados passam pelo quê? Respondo: exame clínico e quarentena.

Ué? Mas então os canários não poderiam passar por uma quarentena? Eles não poderiam ficar isolados? Sim, poderiam.

Qual o motivo de matá-los, então? Resposta: é a solução mais fácil, prática e barata.

Mas qual a justificativa? A desculpa ou justificativa é a sanitária. Essa tragédia é apenas uma parte do problema.

O Brasil aceita o cativeiro de pássaros, dentre eles os canários-da-terra. Aves dessa espécie são usadas em rinhas, ou seja, luta de canários. Os criminosos que praticam essa crueldade querem ter posse de animais campeões e, assim, pegam subespécies de outros países nos quais os canários são pouco maiores que os nossos. Isso dá uma vantagem na luta.

Então, os 300 canários morreram porque foram traficados para o Brasil para serem usados em rinhas de animais? E eles foram salvos pela Polícia Rodoviária Federal? Isso mesmo.

Mas depois de serem salvos, eles foram mortos? Sim.

Mas já não houve repatriação de outros cenários para a Venezuela? Sim. Então isso é possível? Sim.

Então por que esses 300 não puderam ser repatriados também? Então… Essa é uma boa pergunta.

Esse tráfico acontece porque a gente aceita que as pessoas criem canários-da-terra aqui e vários criados usam os animais em rinha? Exatamente isso. A morte dos 300 canários é, então, apenas parte da tragédia e do esquema criminoso? Isso mesmo.

Mas fica tranquilo porque são apenas 300 canários e nossa empatia é seletiva. Mereceram algumas poucas notícias, mas nenhuma grande repercussão ou comoção nacional. O que pensa que aconteceria se fossem 300 cães? Não que os cães não mereçam apoio, mas os canários também precisam de quem os defenda. Isso é reflexo do especismo estrutural impregnado em nosso comportamento e sensibilidade.

Sobre o autor / Roberto Cabral Borges

Nascido em 1969 na cidade de Juiz de Fora (MG), é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB). É autor do livro Serpentes Peçonhentas Brasileiras – Manual […]