Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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A questão da soltura passa por diferentes aspectos, seja pela origem dos animais seja pelas diferentes espécies envolvidas ou pelo estágio de desenvolvimento dos que chegam a uma área de soltura. Tenho abordado vários destes aspectos nas diferentes colunas que venho escrevendo, mas hoje vou por uma abordagem diferente: a das razões humanas.
Vejamos então um caso.
Periquitão escolhe telhado de chalé em pousada, põe seis ovos, cuida dedicadamente dos filhotes. Ótimo para a fêmea de periquitão, nada ótimo para a pousada. Não podem alugar o chalé, justamente no feriado. Os filhotes fazem “um barulho terrível” e os hóspedes não conseguem dormir. Resultado: prejuízo econômico. Valor estimado por diária perdida: R$ 250. Conclusão: os filhotes têm que ir.
No dia seguinte, empregado sobe o telhado retira filhotes, que a essa altura são três jovens: um pequeno, um minúsculo, um nano, além de um ovo. Todos bem “empacotadinhos”, chegam à área de soltura acompanhados da clássica história triste: pois é, estão fazendo muito barulho e os hóspedes reclamaram… De pronto, após 12 horas, ovo e nano não sobrevivem. Os outros estão bem, mas, claro, têm de ser alimentados a cada três horas com papinha de ovo.
Não sei se o leitor sabe, mas o mercado de alimentação pet é um negócio milionário, pois além das diversas marcas de “papinha”, temos a seringa especial para fazer passar a papinha (que vai ficando mais grossa à medida que os animais crescem), as ponteiras especiais da seringa com ponta arredondada para não ferir os animais, as caixas de contenção, o sistema de aquecimento, enfim, uma parafernália. Valor estimado de um kit com papinha e equipamentos R$ 250. Falta incluir na conta alguém com experiência, de preferência voluntário, para não ferir ou sufocar os animais com o alimento, mantê-los aquecidos e limpos, além de prosseguir com o constante fluxo de alimento pré-aquecido a cada três horas, verificando se estão ganhando peso e saudáveis. Resultado: adeus agenda de compromissos, que têm de ser ajustados aos horários de alimentação dos animais, e adeus noites de sono, pois eles comem mesmo à noite. Valor estimado de um mês sem dormir direito: não tem preço.
Depois de crescidos, as aves têm de ser colocadas em um viveiro para aprenderem a voar, pois, claro, não têm a mãe para ensinar. Valor estimado de um viveiro com tela soldada para evitar a entrada de predadores e dimensões adequadas para os animais: R$ 5 mil.
Então vejamos: a pousada “resolveu” seu problema e alugou seu chalé, a indústria pet faturou mais um pouco vendendo a papinha e os implementos, a companhia de energia elétrica faturou com o sistema de aquecimento para os animais, a fábrica de alambrados ganhou com a venda do material para o viveiro, o pedreiro recebeu pela construção do viveiro e o voluntário trabalhou de graça e ainda ficou várias noites dormindo mal. Legal, não acham?
Mas, e os periquitos? Imaginem se tivessem consciência da cadeia econômica legal que sua retirada do chalé movimentou? Isso sem falar na cadeia econômica ilegal que também movimenta esse mercado, já que também se utiliza dos mesmos insumos mencionados aqui.
Essa história mostra como a existência da fauna é um elemento central da vida contemporânea. Mas será pelos motivos certos?
O fato que não deixa dúvida é que fauna foi transformada em um grande negócio para os humanos, pois, tirando a periquita que perdeu os filhotes e o voluntário que trabalhou de graça, todos ganharam!
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