Atropelamentos de animais: quais mortes impactam mais as populações?

Quando o assunto é mortes causadas por atropelamentos de animais nas estradas, logo pensamos no número de indivíduos mortos. Mas poucas vezes se analisa o que esses indivíduos representam em uma população.

Idealmente, para saber o quanto esse número de mortes impacta uma população, deveríamos também saber o tamanho dela. Por exemplo, se estimamos (para um mesmo período) os atropelamentos de uma espécie em 50 indivíduos e depois estimamos o tamanho da população desse animal no entorno da rodovia em 100 indivíduos, sabemos que a morte por colisões com veículos impactou 50% dessa população. Já se a população for de 1.000 indivíduos, a mortalidade na estrada vai representar bem menos: 5%.

Para entender mais profundamente o impacto, deveríamos saber qual a proporção de machos, fêmeas e juvenis estão sendo mortos. A depender de qual classe está sendo mais afetada e das características da espécie em questão, o impacto pode ser maior ou menor e as medidas para mitigar esse impacto podem diferir.

Espécies que se reproduzem uma única vez durante a vida e com histórias de vida lentas são mais vulneráveis à mortalidade de adultos. Já as espécies que se reproduzem mais vezes e têm histórias de vida mais rápidas são mais vulneráveis à mortalidade de juvenis. Além disso, para a maior parte das populações, a morte de fêmeas é mais sensível do que as de machos. O impacto da mortalidade nas rodovias depende não só da magnitude (número de indivíduos que morrem), como do tamanho da população viva e de quais classes demográficas são os indivíduos que estão morrendo mais. Quantificar os riscos relativos entre sexos e fases da vida é necessário para compreender o impacto das rodovias sobre as populações da fauna.

Mas por que algumas classes da população podem ser mais atingidas pelos atropelamentos do que outras? Algumas características das histórias de vida das espécies, do ambiente ou da rodovia podem explicar esse fenômeno. Algumas classes podem realizar maiores dispersões em busca de recursos e, por consequência, estarem mais expostas ao risco de serem atropeladas. Ou a dispersão desigual de diferentes classes ao longo do tempo pode coincidir com períodos de mais tráfego na rodovia, expondo o grupo que dispersa nesse período a um risco maior que os outros.

É o caso de algumas populações de tartarugas, em que as fêmeas precisam dispersar para depositarem seus ovos. Elas até chegam a ser atraídas para as proximidades de rodovias para realizar essa atividade. Além disso, outras ações podem ser responsáveis por essas dispersões, como busca por recursos. Em algumas espécies, nos períodos de seca, indivíduos precisam se movimentar para encontrar água disponível.

Diante disso, alguns pesquisadores investigaram a importância da mortalidade em rodovias para diferentes classes demográficas da tartaruga-mordedora (Chelydra serpentina), em Ontário, no Canadá. Eles estavam interessados, entre outras coisas, em saber qual classe etária estava sendo mais afetada pelos atropelamentos e o que isso significava para a população.

O estudo encontrou que os juvenis da espécie tinham uma probabilidade muito maior de morrerem atropelados do que os adultos. Embora para essa espécie de vida lenta a perda de indivíduos adultos seja mais impactante (principalmente de fêmeas), a grande quantidade de juvenis mortos significou para essa população um impacto similar ou até maior do que a perda de poucos adultos, de acordo com a análise realizada no artigo.

Os pesquisadores ressaltam a importância de se levar em conta essa informação para o planejamento de medidas de mitigação, que no caso das tartarugas está geralmente voltada para as fêmeas em período de desova, mas que também deveria incluir uma preocupação específica com a dispersão dos juvenis. Não necessariamente esses eventos vão coincidir em localização, por exemplo.

No caso desse estudo, os pesquisadores não tinham dados de tamanho populacional (ideal para fazer as comparações com o número de atropelados), mas realizaram uma análise de valor reprodutivo. Eles mediram a contribuição de cada indivíduo para o crescimento da população com base em dados de fecundidade e tamanho corporal já coletados da população.

Embora fazer essa avaliação demográfica dos atropelamentos e compará-los com a população viva não seja uma tarefa trivial, ela resulta em uma compreensão mais profunda do impacto das rodovias nas populações. Isso potencialmente tornaria a mitigação mais efetiva, pois pode direcioná-la aos indivíduos que mais vão contribuir para a manutenção das populações.

Ainda que em menor quantidade, alguns estudos já estão investigando essas questões, como o já citado das tartarugas-mordedoras. Uma revisão recente sobre o impacto das rodovias em populações de mamíferos revelou que a mortalidade maior de fêmeas por colisões é mais comum do que se imaginava, demonstrando que esse é um problema que não deve ser negligenciado para o planejamento de estratégias de mitigação em rodovias.