Por Fernanda Zimmermann Teixeira¹, Trevor R. Tisler² e Rodrigo A. A. Nóbrega³
¹Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
²Formado em Geografia e Relações Internacionais (George Washington University), mestre em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutorando (cotutela entre o Center for Development Research/University of Bonn e a Escola de Engenharia da UFMG)
³Engenheiro Cartógrafo (Universidade Estadual Paulista), mestre e doutor em Engenharia de Transportes (Universidade de São Paulo) e professor do Departamento de Cartografia (IGC) da UFMG
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Você sabe o que é uma área livre de estradas?
São áreas que estão a uma certa distância da estrada mais próxima e, com isso, potencialmente livres dos efeitos negativos que essas estruturas causam nos ecossistemas e na biodiversidade. As chamadas zonas de efeito de estradas são regiões nas quais o impacto desses empreendimentos se estende. Uma ampla revisão de impactos de estradas ao redor do mundo identificou que a maior parte deles ocorre dentro de uma distância de um quilômetro das vias, mas que há alguns que podem alcançar até cinco quilômetros. Por exemplo, já foi demonstrado que a abundância de espécies de mamíferos e aves é menor em áreas próximas a estradas e esse efeito pode ser sentido nesses primeiros quilômetros de distância.
Como até mesmo áreas protegidas possuem estradas, o mapeamento de áreas livres dessas estruturas e de seu status de conservação é uma estratégia importante para os planejamentos de ações de conservação e de expansão da rede de transportes. Por suas características, as áreas livres de estradas podem contribuir significativamente para a conservação da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, e novas rotas de transporte deveriam evitar tais áreas.
Esta semana publicamos o primeiro mapeamento detalhado das áreas livres de estradas para o Brasil. Nós mapeamos essas áreas em cada um dos seis biomas brasileiros, identificando as que estão a mais de um quilômetro e a mais de cinco quilômetros de rodovias, estradas menores e ferrovias. Também avaliamos a sobreposição dessas áreas com remanescentes de vegetação nativa identificados pelo MapBiomas e com unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.
Nós encontramos que somente 39% da área do país está a mais do que cinco quilômetros de uma via e 71% está a mais de um quilômetros, incluindo rodovias, ferrovias e estradas menores. Muitas dessas áreas não estão protegidas, mas possuem vegetação nativa remanescente e são consideradas Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, ferramenta fundamental na política ambiental brasileira para atingir as metas de biodiversidade de Aichi (especialmente as metas 2, 7, 11, 14 e 15) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (especialmente o objetivo 15).
Ao mapear as áreas livres de estradas que são ou não protegidas dentro das Áreas Prioritárias, assim como as áreas que possuem ou não vegetação nativa, nosso trabalho aponta prioridades para conservação e restauração em cada um dos biomas. As características das áreas livres de estradas variam entre os biomas e, apesar de elas conterem mais de 80% da vegetação nativa remanescente do país, somente 38% desse total está protegido. Amazônia e Pantanal possuem áreas extensas com vegetação nativa ainda não protegidas, que, se conservadas, contribuiriam muito para atingir as metas de conservação dos acordos internacionais assinados pelo Brasil. Os biomas Mata Atlântica e Pampa têm poucas e pequenas áreas livres de estradas com vegetação nativa, portanto conservar o pouco que restou e restaurar outras regiões é de grande importância. Já os biomas Cerrado e Caatinga estão numa situação intermediária, com poucas áreas livres de estradas, mas que ainda têm grande extensão e que, se conservadas, podem ajudar bastante a proteção ambiental em nível nacional, além de contribuir localmente para a manutenção da biodiversidade dessas regiões.
Também verificamos que a probabilidade de encontrar vegetação nativa aumenta com a distância de infraestruturas de transporte em diferentes regiões do país e que a probabilidade de ser vegetação nativa é maior se houver áreas protegidas. Isso mostra a importância de manter essas áreas livres de estradas e conservá-las, ao mesmo tempo que reforça a importância da criação de áreas protegidas para conter parte dos efeitos de estradas, como o aumento do desmatamento.
Identificamos áreas que poderiam ser selecionadas para atividades de conservação ou restauração ecológica imediatas e que teriam impactos importantes na melhoria do meio ambiente e ecossistemas brasileiros (os quais incluem oportunidades que são sinergéticas e não representem nenhuma ameaça às terras privadas rurais). Atuar nessas oportunidades resultaria em progresso substantivo e mais rápido na realização de metas de conservação do que as políticas propostas atualmente pelo governo federal brasileiro. Com esse mapeamento, esperamos contribuir para o planejamento de conservação dessas áreas e para o planejamento da expansão e melhoria da malha de transportes, que deve priorizar tanto o equilíbrio entre as demandas econômicas de construção e ampliação de rodovias e ferrovias quanto minimizar os impactos sociais e ambientais da malha viária.
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