
Por Ana Carolina Pontes Maciel
Bióloga, especialista em Gerenciamento Ambiental e mestra em Sustentabilidade na Gestão Ambiental. É militar da Força Aérea Brasileira na Guarnição da Aeronáutica de Canoas (RS), trabalhando com logística sustentável, meio ambiente e segurança de voo. Integra a REET Brasil
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Os eventos que envolvem fauna na aviação podem ser classificados como avistamentos, quase colisões e colisões e devem ser reportados por meio da Ficha Cenipa-15. Ela tem o intuito de angariar os detalhes do evento – como local, data, horário, espécie envolvida, fase de voo da aeronave, existência de dano ou efeito no voo, condições climáticas do momento, dentre outras variáveis.
Seu preenchimento é obrigatório para as colisões com fauna no Brasil, uma vez que as informações ali inseridas alimentam um banco de dados. O Sistema de Gerenciamento de Risco Aviário – Sigra compila e disponibiliza as informações planilhadas para consulta. Isso é importantíssimo para o gerenciamento de risco de fauna, pois as análises estatísticas desses eventos nos permitem identificar a presença de padrões ao longo do ano, quais espécies apresentam maior risco e quais locais demandam ações prioritárias, por exemplo.
Em outras palavras, tratamos aqui de tomada de decisão pautada em dados. São eles que nos mostram as fragilidades e é a partir delas que devemos estabelecer as medidas de mitigação. Pensando em gerenciamento, portanto, como podemos escolher as métricas mais adequadas para avaliação? Não podemos simplesmente verificar se o número de colisões com fauna está diminuindo?
A resposta é não. Isso pois, além de ser importante analisar o número de colisões em relação ao número de voos de aeronaves, quando tratamos de risco, estamos trabalhando com probabilidade e severidade, parâmetros que devem ser levados em conta e que não podem ser avaliados apenas na superficialidade dos números absolutos. É preciso considerar, por conseguinte, variáveis como a massa do animal envolvido – quanto maior ela for, maior a severidade do evento; a frequência com que o animal é reportado no aeródromo – que aumenta a probabilidade de colisão; e a ocorrência de dano ou efeito no voo, fator diretamente ligado aos prejuízos causados.
No Brasil, temos dois documentos que sugerem indicadores que podem ser empregados pelo operador do aeródromo: o MCA 3-8, Manual de Gerenciamento de Risco de Fauna do Comando da Aeronáutica, e o Guia de Boas Práticas para Elaboração de Indicadores de Segurança Operacional, elaborado pelo Grupo Brasileiro de Segurança Operacional de Infraestrutura Aeroportuária (Baist).
O primeiro recomenda as seguintes métricas:
Proporção de colisões com dano: número de colisões com dano em relação ao total de colisões com fauna em um aeródromo, em determinado período.
Proporção de colisões múltiplas: número de colisões múltiplas (ou seja, com mais de um indivíduo) em relação ao total de colisões com fauna em um aeródromo, em um determinado período.
Massa média de colisões: é a massa total, em gramas, das colisões (ou seja, a massa da espécie registrada em literatura vezes o número de indivíduos envolvidos em colisões) em relação ao total de colisões com fauna em um aeródromo, em um determinado período.
Note que o último indicador depende da identificação das espécies envolvidas, o que acaba sendo um fator limitante para os operadores de aeródromos, especialmente aqueles que não contam com equipe técnica específica para lidar com risco de fauna. No entanto, quando empregado a partir de uma base de dados confiável, é um indicador que mostra a evolução de severidade dos eventos ao longo do tempo.
Já o Baist sugere os seguintes:
Resultado Ave: taxa de colisões com aves validadas dentro do sítio aeroportuário em relação à movimentação (pousos e decolagens de aeronaves) no período.
Aqui já temos novidades interessantes: a) a escolha por aves, especificamente (ou seja, não são computadas, para esse indicador, as colisões com morcegos, mamíferos não voadores ou répteis); b) a restrição às colisões ocorridas dentro do sítio aeroportuário, sobre as quais o operador tem influência direta; e c) a correlação com os pousos e decolagens do aeródromo no período.
Esses fatores já começam a exigir maior precisão de dados para que tenhamos confiabilidade no resultado. Não é possível fazer o cálculo sem saber as espécies envolvidas, tampouco sem saber se a colisão ocorreu dentro ou fora do aeródromo.
Resultado ASA: taxa de colisões registradas na Área de Segurança Aeroportuária (ASA), com exceção das ocorridas dentro do sítio aeroportuário, em relação à movimentação (pousos e decolagens de aeronaves) no período.
A ASA é definida pela Lei Federal nº 12.725/2012 como o raio de 20 quilômetros a partir do centro geométrico da maior pista do aeródromo, onde o uso e a ocupação do solo estão sujeitos a restrições especiais em função da natureza atrativa de fauna. O monitoramento dos focos atrativos de fauna em toda essa área é responsabilidade do operador do aeródromo, embora, logicamente, seu gerenciamento dependa dos empreendedores, órgãos ambientais e poder público – como já comentamos nesta coluna em 2020.
Portanto, esse resultado mostrará também a performance do gerenciamento de risco de fauna em relação aos stakeholders e à Comissão de Gerenciamento de Risco de Fauna.
Resultado Ave com Dano: indica a proporção de colisões com aves que causaram dano, assim como o indicador do MCA 3-8.
Precursor Ave: indica a taxa de avistamentos e de quase colisões com aves no sítio aeroportuário em relação à movimentação de aeronaves no período.
Precursor Fauna: indica a taxa de avistamentos de outros animais (exceto avifauna) em relação à movimentação de aeronaves no período.
Quando tratamos de indicadores precursores, estamos trabalhando efetivamente de forma preventiva, pois um alto número de reportes de quase colisões e de avistamentos poderá apontar para maior probabilidade de colisões com determinada espécie, por exemplo.
Importante se faz observar que esse parâmetro demanda alta cultura de reportes, algo que envolve toda a comunidade aeroportuária: operador, equipes de solo, prestadores de serviços de apoio ao transporte aéreo, companhias aéreas e tripulantes. O engajamento desses atores só pode ser obtido por meio de treinamento e capacitação.
Resultado Fauna: taxa de colisões com outras espécies de animais (ou seja, excetuando-se a avifauna) em relação à movimentação de aeronaves no período.
De acordo com os documentos citados, esses indicadores são recomendados, ficando a cargo da equipe responsável o emprego desses ou de outros que sejam adequados à realidade do local. O que todos eles têm em comum é a necessidade de confiabilidade nos reportes de eventos, que devem ser elaborados de forma fidedigna, com o maior número possível de detalhes. São essas informações que fornecerão subsídio ao gerenciamento desse risco e que justificarão os investimentos por parte da alta direção.
Dentre tantas métricas, a proporção de colisões com danos (seja em relação ao total de colisões ou corrigida para o número de movimentos) está entre as mais relevantes. É um indicador preciso, ou seja, foca diretamente na redução de custos com reparos e com aeronaves paradas para manutenção; a base de dados para obtenção da informação é confiável, pois as colisões com dano não costumam ser eventos ignorados para reporte; e pode ser calculada periodicamente, o que permite seu acompanhamento constante pelo operador do aeródromo.
Ante o exposto, pode-se inferir seguramente que não deve haver desconfiança no compartilhamento de dados tão relevantes como os aqui citados. Reportes de eventos com fauna devem ser encorajados, e as equipes envolvidas devem agir de forma proativa e colaborativa para que sejam fidedignos e realizados em tempo hábil.
Cabe observar que, de acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei Federal nº 7.565/1985, “a prevenção de acidentes aeronáuticos é da responsabilidade de todas as pessoas, naturais ou jurídicas, envolvidas com a fabricação, manutenção, operação e circulação de aeronaves, bem como com as atividades de apoio da infraestrutura aeronáutica no território brasileiro”.
Portanto, deixar de reportar é uma postura que vai de encontro à cultura de prevenção desejada para que nossos céus sejam mais seguros para todos.
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