Por Juliana Summa
Bióloga, diretora da Divisão de Fauna Silvestre da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, responsável pela gestão do Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas).
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Em 2022, a Divisão da Fauna Silvestre da prefeitura de São Paulo atingiu a impressionante marca de 2.544 gambás recebidos. São gambás-de-orelha-preta (Didelphis aurita) — a grande maioria por ser a espécie de ocorrência natural no município — e gambás-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), que curiosamente começaram a aparecer em uma região específica na zona norte ou que são flagrados como clandestinos em caminhões oriundos de outras regiões do Estado.
Por serem extremamente adaptados à presença de pessoas e ao ambiente antrópico (humanizado), entocam-se em quintais, quartos, forros, churrasqueiras, caixas de papelão, máquinas de lavar roupa, piscinas etc. Uma parte desses animais, em geral animais saudáveis, sofre com o repúdio e o medo das pessoas, que entram em pânico com presença deles. Uma vez capturados, são encaminhados aos centros de triagem e reabilitação de fauna (Cetras) apenas por estarem no lugar errado.
Outra parte são filhotes, ainda dependentes do cuidado parental, cujas mães são mortas devido à predação por animais domésticos ou atropelamento por veículos; ou que se soltam das mães e são encontrados “perdidos” pelo caminho – fato muito comum na espécie. Acolhidos por munícipes, que se encantam em dar os primeiros cuidados maternos, esses filhotes são entregues por eles (muitas vezes chorando) aos cuidados dos Cetras.
Com um número absurdo de filhotes acolhidos, recebendo cuidados, sendo desmamados e encaminhados para a reabilitação, não havia, já em 2020, como mantê-los em recintos individuais ou coletivos (no caso da mesma ninhada), nem como realizar treinamentos mais eficiente para escalada, caça etc.
Gambazário
Diante disso, a solução encontrada no Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura de São Paulo foi adaptar um recinto de rapinantes (águias, falcões, etc.), utilizado para treino de voo e caça, e implantar o “gambazário” ou “gambódromo”. Dessa forma, filhotes desmamados e com peso a partir de 300 gramas são avaliados em relação a comportamento e autonomia e, estando aptos, acabam transferidos para o recinto adaptado. Com 12 metros de comprimento e quatro metros de largura e altura, provido de tocas, cordas, troncos e folhagens — e com a introdução de alimentação adequada (frutas e presas abatidas) e enriquecimento (frutas nativas inteiras e presas vivas, como insetos) —, o recinto proporciona aos filhotes experiências de caça e procura por alimento, além do estímulo ao comportamento noturno e natural. Para acompanhar o resultado dessa inovação foram instaladas armadilhas fotográficas.
Juntos e amontoados
Um interessante resultado foi verificar que, apesar das várias tocas instaladas, os gambás dormiam juntos, amontoados, em uma mesma toca.
Esse comportamento é diferente do que se observa em recintos menores, onde não é possível juntar indivíduos de ninhadas diferentes pelo risco efetivo de predação.
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