Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Mesmo depois de 500 anos de história após a chegada dos portugueses, o Brasil continua adormecido para o valor de sua biodiversidade e destruindo a sua maior riqueza. Não há reconhecimento, respeito e menos ainda admiração pela singularidade que possui em seus tantos biomas e inúmeros ecossistemas. Muito ao contrário, a natureza brasileira tem sido historicamente explorada de maneira insustentável.
O mesmo se dá com a diversidade cultural. Neste momento, as etnias originais têm sido desrespeitadas e agredidas, assim como a natureza do país. E parece haver uma correlação entre um e outro.
Darrell Posey (1998) passou anos no Brasil estudando grupos indígenas da Amazônia. Uma de suas conclusões foi a simetria entre número de culturas e suas línguas e a biodiversidade. Das seis mil línguas existentes no mundo, de quatro a cinco mil encontram-se em países “megadiversos”. Desses idiomas, 60% são falados em nove países, dos quais seis contêm 60% da diversidade biológica do planeta. Ou seja, onde tem diversidade biológica tem diversidade cultural. E o Brasil está entre esses países.
Quando os portugueses chegaram ao país, estima-se que havia 2,5 milhões de índios (Ponting, 1991). Hoje, restam apenas 200 mil e os números continuam a declinar. Dos grupos étnicos que existiam no Brasil em 1900, a metade se extinguiu, o que representa uma perda inestimável de idiomas, conhecimentos, cosmovisões e modos de vida (Ponting, 1991).
O desrespeito e a sensação de superioridade acabam permitindo a aceitação da aniquilação da diversidade cultural e da natureza, que tem sofrido perdas irreparáveis. Esse empobrecimento é inaceitável porque essas riquezas deveriam estar a serviço da humanidade, mas de forma diferente do que vem ocorrendo. Elas têm o potencial de serem fonte de autoestima, orgulho e valorização da vida encontrada no país, assim como trazer incrementos à economia. Porém, seriam necessários investimentos em tecnologias capazes de aproveitar devidamente todos esses atributos.
E o Brasil tem esse potencial de ser exemplo. Deveria ser vanguarda nos mais diversos campos da Ciência para mostrar o que é um desenvolvimento de fato sustentável. Ou seja, mantendo as florestas em pé e os demais ecossistemas íntegros, os investimentos poderiam ser direcionados ao potencial de utilização das inúmeras espécies existentes para fins alimentícios, farmacêuticos, cosméticos e demais campos industriais, ao invés de serem derrubadas. A Amazônia, por exemplo, vem sendo transformada em plantio de soja ou criação de gado, com frequente extermínio de grupos indígenas por conta de garimpos ilegais que levam o ouro a desaparecer, deixando devastação, contaminação e tristeza.
Para os conservacionistas, a natureza tem um valor intrínseco que dispensa qualquer razão de utilidade. No entanto, é a economia que vem regendo as decisões e o direcionamento do desenvolvimento e, por isso, a necessidade de se criar um panorama que seja competitivo à soja e ao gado, que são, hoje, a realidade amazônica.
No passado, a tendência de se retirar espécies nativas para favorecer agricultura ou extração de metais ou pedras preciosas foi comum e, infelizmente, continua sendo. José Augusto Padua relata os efeitos dos ciclos econômicos que ocorreram no Brasil e seus efeitos deletérios. Até o nome “Brasil”, antes Terra de Vera Cruz ou Terra de Santa Cruz, foi mudado por conta do pau-brasil, madeira exportada para a Europa nos séculos 16 e 17, causando impactos nefastos à Mata Atlântica e levando a espécie à extinção em diversas regiões da costa brasileira. Daí foi a vez da cana-de-açúcar, do café, da borracha, do ouro e do ferro, que continuam a pesar na balança comercial do país, somado à soja e ao gado. As decisões são sempre baseadas em demandas externas, sem reflexão de suas consequências (Padua, 1987).
Há, todavia, um descompasso entre os países ricos em biodiversidade que normalmente são economicamente pobres. Com isso, os recursos disponíveis para conservação e implementação de medidas efetivas de proteção são escassos, assim como os para melhorias sociais (Padua & Tabanez, 1997). Sendo assim, a conservação raramente é priorizada e as populações menos favorecidas têm oportunidades escassas de ascensão social.
Nesse contexto, é necessária uma reflexão profunda sobre os bilhões de anos de evolução que levaram o mundo a ter a riqueza que tem. Esse talvez seja um caminho de valorização da vida.
Olhar o passado para se decidir o que se quer para um futuro mais promissor é uma oportunidade em que a história pode servir de lição a ser aprendida e a educação um caminho para despertar um senso de encantamento que leve à ação. O estímulo deve ser para promover um mundo melhor, que seja socialmente justo, ecologicamente sustentável e economicamente viável. Se essa mudança parece utópica, tanto melhor. Mas esse caminho é parte da responsabilidade da educação ambiental.
Nessa perspectiva, a utopia passa a ser etapa para que se possa sair da aceitação sem questionamento – deixar o estado de inércia à ação em direção a novos rumos. A educação ambiental é um caminho, pois oferece as bases de conhecimento, valores e habilidades necessárias para que cada um desperte para o seu poder transformador, com potencial de tornar esse mundo mais ético. Ao estimular o engajamento em causas que beneficiem a coletividade, cria-se uma nova perspectiva de respeito à vida.
A educação ambiental “empodera” indivíduos a agirem e comportarem-se de acordo com novos padrões. Quando isso acontece, são as próprias pessoas que se empenham pela conservação e pelas melhorias sociais, exercendo efetivamente sua cidadania.
Nesse processo, os educadores tornam-se facilitadores, pois todos aprendem e ensinam, como preconizava Paulo Freire. As experiências são compartilhadas e as lições aprendidas encorajam a mais ação. Os insucessos passam a fazer parte do aprendizado, não sendo mais percebido como fracassos (Padua & Tabanez, 1997).
A responsabilidade de mudança é de todos, mas cabe aos educadores, no caso ambientais, estimular a cooperação e o engajamento de modo a reverter o quadro de injustiça social e degradação ambiental da atualidade.
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