Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Antes de começar a tratar do tema proposto, gostaria de esclarecer que me refiro aqui às ciências naturais e não às sociais, que também são ciências, como descrevi em outro artigo aqui no Fauna News.
Os cientistas, mesmo os conservacionistas que trabalham na linha de frente, muitas vezes se esquecem de compartilhar seus achados com educadores e comunicadores. Para muitos, é mais importante participar de congressos e escrever trabalhos científicos que, claro, são de suma importância. Porém, a experiência tem mostrado que Ciência sozinha nem sempre resulta em conservação. Isso porque as pressões antrópicas sobre os ambientes naturais são contínuas e incessantes. Não é raro o cientista retornar à cena de seu estudo e ver que as matas se foram, o solo ficou poluído e as praias ou rios tornaram-se inóspitos ao estudo que estava sendo realizado. E aí? A desolação fica ainda maior.
Sinto dar sempre o exemplo do mico-leão-preto, mas essa foi minha escola. Quando o Claudio Padua, meu marido, chegou ao Pontal do Paranapanema (SP) para estudar essa espécie, considerada uma das mais ameaçadas do mundo, achava que bastava conhecê-la profundamente. Logo descobriu que a questão era bem mais complexa. A maior população encontrava-se no Parque Estadual do Morro do Diabo (gerido, na época, pelo Instituto Florestal de São Paulo) e estava mais segura por se tratar de uma unidade de conservação. Mas havia fragmentos de matas remanescentes que ainda hospedavam os micos, em grandes fazendas ou em pequenas e médias propriedades. Que maravilha! Novas descobertas são sempre bem-vindas.
Num desses fragmentos, Claudio marcou as árvores com ocos com fitas plásticas de uma cor, as que continham alimentos com fitas de outra cor e saiu feliz da vida com a intenção de voltar em 20 dias para ver como estava a família de micos que encontrara, sabendo que, pelo isolamento, algo teria que ser feito para evitar cruzamentos que levassem a problemas de consanguinidade. As perspectivas eram promissoras e na imaginação de um jovem cientista, ele já devia estar se vendo em congressos alardeando seus achados de uma nova população.
A alegria durou pouco. Daí a 20 dias, como programado, voltou à fazenda onde havia avistado os micos. Para seu espanto e de sua pequena equipe de campo, as árvores encontravam-se no chão, ainda com as fitas coloridas. Espécimes raras, algumas centenárias, haviam sido vendidas clandestinamente a uma madeireira local. O episódio foi bem dramático, especialmente porque quando Claudio e seu time de campo chegaram, depararam-se com todos os micos empoleirados em uma só árvore sobrevivente de onde tiveram que ser resgatados. Seu destino acabou sendo o cativeiro, o que é sempre uma pena, mesmo quando há um programa consistente de conservação. Tratando-se de uma espécie com reduzidíssima população e tão ameaçada, é fácil imaginar a tristeza e a decepção de todos.
Esse fato nos ensinou várias lições. Se o fazendeiro estivesse sensibilizado para a raridade do mico e a importância de sua floresta, com todos os seres bióticos e abióticos ali encontrados, talvez tivesse deixado a pequena mata de pé. A comunidade, por sua vez, surpreendentemente manifestou-se a favor da lei e das devidas punições, pois já se mostrava bastante consciente da importância das florestas que restavam na região. O programa de educação ambiental estava a todo vapor há algum tempo e o mico-leão-preto era a espécie símbolo que só sobreviveria se seu habitat nativo fosse preservado e enriquecido. O fazendeiro foi multado e a madeireira acabou sendo fechada, o que pode parecer banal, mas o passado do Pontal estava cheio de infrações como essa que antes passavam impunemente.
Outro exemplo com espécie e ganhos diretos pelo uso adequado da comunicação foi com o Laury Cullen Jr., pesquisador do IPÊ, em seu estudo com as onças do oeste paulista. Alguns fazendeiros relatavam prejuízos econômicos provocados por onças porque esses predadores comiam suas reses, especialmente os bezerros. E esse era mais um risco à proteção da espécie que não podia ser ignorado. No meio da coleta de dados para seu doutorado, Laury se juntou à Gracinha (Maria das Graças de Souza), educadora ambiental do IPÊ no Pontal, e produziram um folder com dicas de como reduzir as perdas do rebanho por onças se determinadas medidas fossem tomadas. Ou seja, informações científicas sendo utilizadas para o bem da própria espécie que estudava.
Essa troca entre cientista e comunidade passou a ser constante na localidade. O IPÊ começou a promover as Manhãs com Ciência, convidando a população a tomar um café da manhã para ouvir o que os cientistas estavam fazendo no campo e o que aquilo tinha a ver com a vida delas. Essa tem sido uma maneira interessante de compartilhar conhecimentos e devolver à sociedade o trabalho executado. E o que é surpreendente: em todas as Manhãs com Ciência as salas ficam repletas de gente de todos os segmentos e campos de atuação. Ou seja, interesse há e de sobre. Aliás, compartilhar deve ser a premissa principal de estudos científicos: devolver conhecimento adquirido à sociedade como forma de soluções para o bem comum, uma boa razão para as organizações de pesquisa existirem.
Temos ainda o exemplo do Mapa dos Sonhos, um planejamento regional para resgatar as áreas de proteção permanente (APPs) e as reservas legais dos fazendeiros, com replantio de matas em locais adequados, como corredores para conectar fragmentos, zonas tampões para proteger os remanescentes de florestas e o plantio de bosques trampolins. As reuniões que ocorrem para que o Mapa dos Sonhos seja incorporado por diferentes tomadores de decisão precisam contar com dados científicos das mais diversas áreas. São conhecimentos embasados que fomentam os argumentos do que fazer, quando e onde, com o apoio necessário dos diversos setores da sociedade. Mais uma vez, a Ciência prestando um serviço que beneficia a coletividade, tendo a comunicação aberta como pilar de confiança e respeito às diversidades de opiniões dos diferentes players.
Recentemente, participei junto com muitos conservacionistas brasileiros de uma reunião com o diretor geral da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN), Bruno Oberle, que relatou um fato intrigante. Os cientistas de uma de suas Comissões lhe entregaram um compêndio de aproximadamente 600 páginas sobre a importância da conservação de espécies e da biodiversidade em geral. Segundo ele, o documento só era compreendido por quem o havia escrito… Aí veio o dilema: como simplificar para que fosse não só entendido, mas apreciado por todos, especialmente os tomadores de decisão cujo impacto em geral é significativo, seja para o bem ou para o mal? Como transformar as informações ali contidas, com tantos conhecimentos preciosos, em argumentos convincentes sobre a urgência de se tomar medidas à altura da importância da causa? O resultado foi que um pequeno grupo e ele passaram um dia debruçados sobre o documento para extrair sua essência em três ou quatro linhas que sumarizassem o conteúdo de modo a ser compreendido por muitos. Quais frases foram essas não nos foi revelado, mas imediatamente me ocorreu que um comunicador e um educador ambiental poderiam ter ajudado sobremaneira.
A tarefa de transformar a linguagem científica, em geral complicada e cheia de jargões, em algo divertido, palatável, atraente, instigante e digno de atenção, é delicioso para um educador ambiental ou comunicador. Mas as informações precisam chegar. Quando são repassadas para canais corretos com intuito de serem divulgadas adequadamente, muito mais gente se beneficia. Dos cientistas às massas, que comparativamente pode ser percebido como um canal estreito que desagua num rio caudaloso. Quando muitas pessoas diferentes têm a chance de compreender, de se sensibilizar e, eventualmente, de atuar em prol de uma missão, amplia-se o leque da eficácia de trabalhos que são tão valiosos, mas que em geral ficam restritos a um pequeno núcleo intelectual. O ganho para a Ciência e para a própria causa da conservação passa a ser exponencial. Daí a importância de se trabalhar de forma conjunta e integrar áreas de expertise que nem sempre se conversam. A educação ambiental e a comunicação servem de pontes para amplificar o poder do conhecimento e valorizar os achados científicos e o papel da própria Ciência, sensibilizando muitos para as causas estudadas. Ao se tornar mais acessível, a Ciência pode ser utilizada e adaptada às escolas, ao poder público, às empresas, às decisões governamentais e à vida do dia a dia de cidadãos comuns, que passam a incorporar novos valores.
Juntos, só temos a ganhar – nós e as causas que nos são tão caras!
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