Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
educacaoambiental@faunanews.com.br
A realidade das unidades de conservação no Brasil é bastante desafiadora. São poucos funcionários para uma enorme quantidade de terras que precisam ser protegidas e geridas. Os recursos são escassos e as ameaças contínuas. Os dados falam por si, como mostra o gráfico abaixo.
O investimento por hectare em áreas protegidas é menor no Brasil do que em outros países e isso se reflete em recursos insuficientes para uma gestão apropriada, aportes aquém das demandas em todos os campos necessários para a proteção efetiva das unidades de conservação. Ou seja, faltam materiais básicos, profissionais em áreas diversas e recursos para investimentos em oportunidades que venham a surgir. Muitas unidades de conservação que contém grande riqueza biológica contam com muito pouco para sua manutenção e proteção devida.
A deficiência de profissionais quando comparada ao tamanho das áreas é marcante, como se observa no gráfico acima. Faltam gestores, pesquisadores, comunicadores, pessoal de manutenção e serviços gerais, além, claro, de educadores ambientais. Todos esses profissionais teriam papéis fundamentais, cada um em seu campo, mas a educação ambiental poderia trazer benefícios singulares, principalmente no que tange ao envolvimento de comunidades que vivem dentro ou ao redor das unidades de conservação. Ao invés de serem mais uma ameaça, como normalmente acaba acontecendo, essas pessoas devem se tornar parceiras na proteção das áreas. As unidades de conservação têm o potencial de serem polos irradiadores de um desenvolvimento regional sustentável e, com a participação ativa das pessoas locais, as chances de proteção de sua integridade aumentam, ao mesmo tempo que benefícios socioambientais são proporcionados. As áreas protegidas precisam deixar de ser consideradas empecilhos para o progresso, como se ouve com bastante frequência, para passarem a ser vistas como oportunidades de melhorias socioambientais e econômicas.
A educação ambiental tem o potencial de contribuir com essa mudança. O envolvimento das comunidades depende de uma troca de ideias e expectativas com base no respeito e na atenção para que se construa um ambiente de confiança mútua que favoreça a cooperação. A integração de conhecimentos tradicionais com conhecimentos científicos traz benefícios para a própria unidade e valoriza o acúmulo de informações advindas de pessoas diferentes e com fontes diversificadas. A linguagem precisa se dar adequadamente, mas isso é um treino que faz parte do processo.
E esse é um processo que precisa ser contínuo e construído conjuntamente. Um gestor de uma unidade de conservação em geral acumula funções e acaba precisando fazer de tudo. Mesmo tendo passado em concursos técnico-científicos para assumir a posição que ocupa, a realidade com que se depara exige muito mais do que um só campo de conhecimento. Imaginar que tenha tempo para se envolver com o incentivo de participação das comunidades do entorno, o que pode representar imensos ganhos para as pessoas e para a unidade, é quase impossível.
Os desafios no Brasil são imensos, principalmente quando se compara com os Estados Unidos, conforme demonstrado por Thiago Beraldo Souza (profissional do ICMBio) em pôster exposto durante evento sobre questões socioambientais quando ainda estudante de doutorado na Universidade da Flórida em 2016. Enquanto o Brasil tem mais do dobro de áreas protegidas do que os EUA, o número de visitantes aqui era de 8 milhões e lá passavam de 273 milhões/ano. O orçamento anual para áreas protegidas no Brasil era de 80 milhões de dólares, quando nos EUA o valor alocado era de 2.6 bilhões de dólares. E a maior diferença de todas: enquanto no Brasil as unidades de conservação rendiam 10 milhões de dólares ao país, nos EUA o rendimento era de 1 bilhão de dólares. Portanto, o potencial é imenso e o aproveitamento dessas áreas é substancialmente aquém em muitos sentidos, inclusive financeiramente.
Três exemplos me vêm à mente para ilustrar que é possível implementar programas dessa natureza, todos desenvolvidos pelo IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas. O primeiro tem sido no Parque Estadual do Morro do Diabo (atualmente gerido pela Fundação Florestal de São Paulo), que começou há mais de três décadas, a princípio focando nas escolas locais. Porém, o programa rapidamente direcionou atividades para toda a comunidade, pois as ameaças e perdas eram constantes e os adultos precisavam ser incluídos. Foi assim que promovemos festivais de músicas ecológicas, exposições de desenhos e outros eventos, sempre destacando as riquezas locais, de maneira a aumentar a valorização da natureza e estimular senso de orgulho, autoestima e pertencimento.
Um dos pontos fortes são as eco-necgociações, reuniões participativas com todos os segmentos sociais, cujo intuito é elaborar um planejamento regional, elencando prioridades e aferição de responsabilidades, sempre com apoio de nossa educadora ambiental na região, Maria das Graças de Souza (Gracinha). As eco-negociações já foram descritas em dois artigos no Fauna News (novembro de 2020 e dezembro de 2020), o que pode facilitar a compreensão do processo para quem se interessar pelo assunto.
O segundo exemplo tem parceria com o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade (Monitora) do Instituto Chico Mendes e Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O Monitoramento Participativo da Biodiversidade (MPB) que o IPÊ desenvolve desde 2013, sob a coordenação de Cristina Tófoli, implementa iniciativas que envolvem os moradores da área em todo o processo de monitoramento da biodiversidade – desde a identificação da espécie ou tema a ser monitorado até a discussão científica dos resultados – o que fortalece as comunidades e a gestão das unidades de conservação. Sempre com base em critérios estruturados para promover participação social, intercâmbio de diversos saberes e democratização da Ciência, vários encontros e cursos são oferecidos nas ações estruturantes do projeto que já envolveu diretamente cerca de quatro mil pessoas. O interesse inicial é avaliar o status das espécies escolhidas para garantir sua presença sustentável na natureza, pois muitas servem de base econômica para determinados grupos. Exemplos incluem castanha-da-Amazônia, conservação em áreas de extração manejada de madeira, pirarucu, entre outras.
Contudo, além da rica informação acerca da biodiversidade Amazônica que é coletada, há outros importantes resultados obtidos por meio da implementação do monitoramento participativo, como aproximação dos atores locais com a gestão das áreas protegidas, conservação da biodiversidade e redução de conflitos. Periodicamente, é realizado o Encontro de Saberes, onde são discutidos por comunitários, pesquisadores, conservacionistas, gestores públicos locais e regionais, professores e público em geral os processos utilizados, as lições aprendidas e os resultados alcançados. Esses dados embasam os planos para o que se tem a fazer no futuro, visando a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais, ao mesmo tempo que a valorização das culturas humanas regionais. Para conhecer mais a respeito do MPB e dos Encontros dos Saberes, acesse os livros MPB: Aprendizados em evolução e Encontro dos Saberes: Uma nova forma de conversar a conservação, que descrevem essas iniciativas.
O terceiro exemplo, é mais recente no IPÊ, mas já se apresenta como tema prioritário por seu potencial transformador, tanto para a proteção das unidades de conservação quanto para a sensibilização das pessoas em geral. Trata-se do voluntariado para a conservação. O IPÊ tem sido parceiro do ICMBio, apoiando o Programa de Voluntariado do Instituto que o órgão desenvolve desde 2016. Os resultados se mostram promissores, conforme os dados listados a seguir:
– nos últimos dez anos, a visitação pública em unidades de conservação federais teve um aumento de 400%, saltando de 3,6 milhões de pessoas em 2008 para 15,3 milhões em 2019;
– em 2018, a visitação aos parques e outras unidades de conservação federais sustentou cerca de 90 mil empregos e gerou 2,7 bilhões de reais em renda, 3,8 bilhões de reais em valor agregado ao PIB e 1,1 bilhão de reais em impostos, segundo estudos do próprio ICMBio;
– em 2009, apenas 11 unidades organizacionais estavam cadastradas no Sistema de Voluntariado do ICMBio. Em 2020, o Programa alcançou 260, divididas em 207 unidades de conservação, 12 centros de pesquisa e 33 núcleos de gestão integrada, além de sete unidades administrativas. O sistema de cadastro de voluntariado do ICMBio já registra mais de 40 mil voluntários.
Em outubro de 2021, o IPÊ promoveu o I Fórum Brasileiro de Voluntariado em Unidades de Conservação e o Primeiro Encontro de Boas Práticas em Voluntariado. Sob a coordenação de Angela Pellin e mais 15 parceiros estratégicos, os eventos contaram com mais de 1.300 pessoas inscritas e somaram quase 4 mil visualizações no YouTube. Esse interesse chama a atenção para o potencial de ampliação de programas de voluntariado para todo o Sistema de Unidades de Conservação, de forma a contribuir com a gestão dessas áreas e responder aos anseios das pessoas de terem contato com a natureza e doarem seu tempo e sua expertise às áreas naturais.
Se há falta de gente para exercer diversas frentes nas unidades de conservação e existe uma oferta para que pessoas em diferentes campos do conhecimento desempenhem papéis que podem contribuir, o voluntariado e a participação de moradores locais tornam-se opções viáveis e desejadas. Além disso, com a maioria da população humana vivendo em grandes centros urbanos ou alheios à gestão das áreas, muitas vezes morando em seu interior ou entorno, a oportunidade de oferecer experiências nas unidades de conservação pode ser um divisor de águas na formação de novos conservacionistas. Todavia, essas áreas poderiam estar sensibilizando milhões de pessoas além daquelas que hoje vêm se envolvendo, principalmente por meio do programa de voluntariado, como indicam os seus resultados até hoje obtidos.
Esses exemplos convergem para a necessidade de se priorizar um programa estruturado de educação ambiental em áreas naturais. São as pessoas que vêm causando os maiores danos à natureza e por isso são elas que precisam mudar seus valores e suas ações, de modo a adotarem posturas sustentáveis a partir do respeito e da valorização da vida como um todo.
O envolvimento das pessoas com as unidades de conservação é crucial para que se tenha a proteção real dessas áreas. Todavia, os processos educacionais e de estímulo à participação é lento e exigem cuidados, que nem sempre são possíveis de serem desempenhados pelos gestores das áreas protegidas, que já acumulam atribuições e responsabilidades além do que é possível. A ajuda de educadores ambientais e outros profissionais, que poderiam vir a contribuir em campos deficitários, torna-se, assim, crucial.
Mas para que as unidades de conservação recebam a atenção devida, com verbas e pessoal adequados, a educação ambiental precisa prestar um serviço de torná-las prioridade nacional. Isso inclui diretamente os tomadores de decisão e esse talvez seja um dos maiores desafios que precisam ser enfrentados. Como sensibilizá-los para o valor das riquezas socioambientais e econômicas que as áreas naturais do Brasil representam ainda é um mistério a ser desvendado.
– Leia outros artigos da coluna EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)