Gabriela Favoretto
Bióloga, mestra em Conservação da Fauna. Atua no Grupo de Pesquisa e Conservação da Arara-azul-de-lear
A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é endêmica da Caatinga baiana, ocorrendo apenas em duas localidades, distantes 240 quilômetros uma da outra: no Raso da Catarina e no Boqueirão da Onça. Após dois anos sem atividades de censo em decorrência da crise sanitária de Covid-19, um novo levantamento populacional da espécie foi realizado em agosto, no Raso da Catarina, onde estimou-se viver 2.254 aves da espécie. No Boqueirão da Onça, há outras 19.
Conhecer as estimativas populacionais e a distribuição das espécies ao longo do tempo permite avaliar a taxa de declínio ou de crescimento das populações. Esse valor é utilizado como um dos critérios para definir o grau de ameaça de uma espécie, servindo como base para um planejamento adequado das estratégias de conservação e, em longo prazo, permitindo uma avaliação consistente da efetividade dessas ações.
O censo populacional da arara-azul-de-lear passou a ser organizado anualmente pelos órgãos governamentais a partir de 2001, quando foram contabilizadas 228 araras no Raso da Catarina. Porém, apenas a partir de 2018, quando a população foi estimada, em média, em 1.700 araras, os censos passaram a ter uma metodologia padronizada. As contagens são realizadas simultaneamente em pontos fixos nos dormitórios conhecidos, ocorrendo em três dias consecutivos e em dois períodos do dia, totalizando seis amostragens.
Contagens das araras
Na primeira contagem do dia, após um longo percurso de carro e trilha, as equipes se posicionam ainda de madrugada em seus pontos, silenciosamente, cuidando para não perturbarem as araras em repouso nos paredões de arenito. Uma distância segura dos dormitórios é mantida, mas que permita a visibilidade dos indivíduos durante a revoada na primeira luz da manhã, quando as araras deixam os dormitórios em grandes grupos e se deslocam para as áreas de alimentação, onde encontram o licuri (Syagrus coronata), seu principal alimento, também ameaçado.
A segunda contagem ocorre ao entardecer, quando as araras retornam em duplas ou em pequenos grupos das áreas de alimentação para os dormitórios, onde as equipes permanecem até o anoitecer, quando algumas araras ainda podem chegar.
Em 2022, dois novos dormitórios foram descobertos e adicionados às contagens, totalizando sete dormitórios monitorados simultaneamente em 17 pontos fixos de observação, já que a visibilidade pode ser limitada em certos locais. Para essa força-tarefa, foi necessária a participação de 40 colaboradores, entre analistas ambientais, biólogos e voluntários. Como resultado desse esforço coletivo, foram estimadas, em média, 2.254 araras no Raso da Catarina. Somando-se às 19 araras do Boqueirão da Onça, que desde 2018 conta com um programa de soltura monitorada realizado pelo Grupo de Pesquisa e Conservação da arara-azul-de-lear, temos uma estimativa de 2.273 araras-azuis-de-lear na natureza!
Além de um esforço amostral mais refinado e da descoberta de novos dormitórios, o crescimento populacional observado está relacionado, principalmente, com as ações de conservação implementadas desde que a espécie foi descoberta na natureza, em 1978. Essas ações, realizadas em parceria entre diversas instituições e colaboradores, são um caso de sucesso nas páginas da história dessa arara sertaneja, pois estão atingindo o objetivo para o qual foram propostas: fazer com que a espécie deixe de ser ameaçada um dia.
Em 2009, ano em que a população foi estimada em 900 indivíduos, a espécie passou por uma reavaliação do status de ameaça, que promoveu uma mudança da categoria de “criticamente em perigo” para “em perigo” na Lista Vermelha de espécies ameaçadas da International Union for Conservation of Nature (IUCN). Todos os envolvidos na conservação da arara-azul-de-lear trabalham para que, em breve, a espécie seja reavaliada como “vulnerável”.
Apesar da boa notícia, muito trabalho ainda precisa ser feito, pois a espécie segue enfrentando diversas ameaças, já que o crescimento populacional ocorre em paralelo com a degradação do habitat e a falta de proteção dos dormitórios, sítios reprodutivos e áreas de alimentação, fundamentais para que esse crescimento seja sustentável em longo prazo.
Realização
O censo populacional da arara-azul-de-lear no ano de 2022 foi organizado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em parceria com o Grupo de Pesquisa e Conservação da Arara-azul-de-lear e a Qualis Consultoria Ambiental. OS trabalhos foram financiados pelo ICMBio e pela Voltalia Brasil.
Agradecimentos
Toda a equipe envolvida no censo agradece à comunidade local, que colaborou de forma direta ou indireta para o sucesso dessa atividade, em especial: ao senhor Otávio Nolasco, por permitir o acesso à Serra Branca e o uso da casa de apoio na Vaca Morta; ao senhor Edilson, por disponibilizar água para a equipe locada na Serra Branca; ao senhor Carlinhos do Jeep, pelos reparos feitos no gerador; ao senhor Zé Miúdo e à dona Maria, pela recepção e apoio à equipe na Fazenda Barreiras; ao senhor Josenaido Reis pela permissão para a realização do censo na sua propriedade na Barra do Tanque I; ao senhor Genilson de Jesus (Caboclo) e família (Mô e filhos), pela recepção e apoio no local; ao líder comunitário Binho e ao povo da etnia Pankararé, pelo apoio na Baixa do Chico; ao senhor John Donald, proprietário da Fazenda Logradouro, no povoado da Matinha, por facilitar o acesso aos pontos de contagem nessa localidade; e ao senhor Adriano, proprietário da Fazenda Sambambaia, na Vila Canaã, por permitir a realização do censo na sua propriedade.
Agradecemos ao ICMBio, ao Grupo de Pesquisa e Conservação da arara-azul-de-lear, à Qualis Consultoria Ambiental e à Voltalia Energia do Brasil pelo apoio financeiro, sem o qual não seria possível a realização do censo.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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