Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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As populações de muitas espécies de animais vivem em paisagens fragmentadas, com manchas de hábitat disjuntas, e precisam se mover nessa área. Existem muitas definições de conectividade ecológica, que podem ir desde a distribuição espacial de manchas de hábitat a até como a paisagem facilita o movimento dos indivíduos de uma espécie. Independentemente de ser medida direta ou indiretamente, a conectividade ecológica está relacionada ao sucesso de movimento de indivíduos, populações e espécies na paisagem e a importância disso para a manutenção da biodiversidade.
A conectividade ecológica foi pela primeira vez abordada em uma política internacional ao ser incluída nas Metas de Aichi em 2010. A meta 11 dizia que, até 2020, ao menos 17% dos ecossistemas deveriam estar conservados em sistemas de áreas protegidas bem conectados. Agora, com o Marco Mundial Kunming-Montreal da Biodiversidade que foi aprovado na COP-15 da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) em dezembro de 2022, essa meta foi ampliada e a conectividade ecológica ganhou um lugar de maior destaque:
– o objetivo A reconhece que a conectividade (junto com a integridade e resiliência) de todos os ecossistemas deve ser mantida, aumentada ou restaurada até 2050;
– a meta 2 diz que em 2030 pelo menos 30% das áreas degradadas estejam em processo de restauração para aumentar a conectividade entre as áreas;
– a meta 3 reconhece que até 2030 pelo menos 30% dos ecossistemas existentes devem estar efetivamente conservados em sistemas de áreas protegidas bem conectados; e
– a meta 12 reconhece que áreas verdes urbanas devem ser aumentadas em área, qualidade e conectividade, para o aumento da biodiversidade nessas áreas e promoção do bem-estar.
Plano Nacional de Áreas Protegidas
O Brasil é signatário dessa Convenção, o que significa que precisa implementar políticas públicas dentro do território para cumprir as metas. Um dos pilares da implantação delas é o Plano Nacional de Áreas Protegidas, que inclui o sistema nacional de unidades de conservação e outras áreas protegidas, como terras indígenas e territórios quilombolas, prevendo seu fortalecimento e expansão.
Porém, para atingir as metas propostas, vai ser fundamental atuar também fora de áreas protegidas. E um elemento-chave na implantação dessas metas será considerar o papel da rede viária – existente e planejada – na redução da conectividade entre os ecossistemas. As rodovias e ferrovias atuam como filtros ou barreiras aos movimentos de indivíduos e genes entre populações de animais, diminuindo seu acesso a recursos e sua capacidade reprodutiva. Essa diminuição na conectividade pode afetar a abundância e a persistência dessas populações, efeitos que podem se propagar e afetar comunidades e ecossistemas.
Uma ótima oportunidade para avaliar o impacto da rede de rodovias e ferrovias na perda de conectividade e planejar ações para mitigar esse impacto visando cumprir as metas mencionadas acima é a qualificação de políticas públicas como avaliações ambientais estratégicas e estudos de impacto ambiental. As avaliações ambientais estratégicas permitem avaliar os impactos ambientais de políticas, planos e governos (e suas alternativas!) e podem ser aplicadas para avaliar os impactos da rede viária existente e dos planos de expansão. Já os estudos de impacto ambiental são avaliações de impactos em nível de projeto e devem ser aplicadas no Brasil dentro do licenciamento ambiental, para projetos de construção, pavimentação e ampliação de estradas.
Há um longo caminho a percorrer para qualificar a consideração da perda de conectividade nas avaliações de impacto ambiental. Exploramos esse tema em um artigo de opinião que publicamos recentemente e em outro artigo que escrevemos aqui na coluna Fauna e Transportes. Discutimos alguns desafios que precisam ser superados nesses estudos, como a seleção de espécies-alvo para avaliação da perda de conectividade, a incorporação de abordagens multi-espécie e a definição das escalas relevantes. Para superar esses desafios e produzirmos estudos baseados em evidências, que possam orientar a mitigação, precisamos qualificar os profissionais envolvidos e ampliar a cooperação entre diferentes setores.
– Leia outros artigos da coluna FAUNA E TRANSPORTES
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