Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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Como não escrever sobre política em um momento tão decisivo para o Brasil? E como defender que educação ambiental tem relação com o tema?
O Brasil acaba de passar por momentos perigosos para sua democracia e integridade como nação. Tanto a natureza quanto as culturas tradicionais sofreram perdas significativas nos últimos quatro anos, algumas irreversíveis. Foram agressões verbais, ações irresponsáveis e destrutivas, ou até mesmo sarcasmos desrespeitosos com desprezo proposital por quem se encontrava em situação de fragilidade. E tudo o que constrói uma nação forte estava sendo delapidado em sua raiz, como educação, cultura, inclusão de diferentes grupos raciais, valorização das populações tradicionais, saúde dos menos favorecidos e o pior, a fome que voltou a estar presente para milhões de brasileiros que deixaram de ter segurança alimentar, ou seja, incertezas quanto ao que esperar da próxima refeição. Isso em um país que aparece como décimo na lista dos mais ricos, tendo um território continental onde a agricultura é abundante, mas grandemente exportada para alimentar gado e porcos de outras nações.
Nesse cenário, a natureza sofreu baques terríveis e uma redução drástica de apoio à sua proteção. As organizações da sociedade civil, as ONGs, foram desqualificadas e chamadas de “cânceres” porque teriam planos secretos para entregar o território, que “fingiam” proteger, a estrangeiros “comunistas” que almejam ocupar o país. As teorias de conspiração pareciam seitas macabras, mas macabros foram os governantes que deixaram acontecer inúmeros assassinatos de membros de diferentes grupos indígenas e defensores da natureza, além do desmatamento de biomas brasileiros, responsáveis pelo fluxo hidrológico do país e pela integridade climática planetária. Isso mostra como a Ciência, quando desconsiderada, resulta em consequências desastrosas. Prova máxima foram as quase 700 mil mortes por Covid-19, muitas das quais poderiam ter sido evitadas com vacinas e não com o incentivo ao uso de remédios sem comprovação científica de sua eficácia.
Jair Bolsonaro se tornou um líder análogo ao de uma seita, com pessoas o seguindo sem saber bem por que, mesmo com a evidência de perdas em todas as esferas com rastros devastadores. O único feito que mereceu aplausos, a meu ver, foi sua fuga, que deu chance à mais comovente passagem de faixa presidencial na história do Brasil.
Mesmo reconhecendo o passado do novo presidente com velhas incongruências e tendo deixado as finanças do país em estado lastimável, ainda assim, hoje estamos respirando esperanças de que o Brasil volte a ser o Brasil. Com todos os seus defeitos, quero crer que há preocupações com os menos favorecidos, com a natureza do país e com a reconstrução de uma credibilidade ameaçada nacional e internacionalmente, que inclua uma economia com bases sustentáveis.
Essas são algumas das razões para as celebrações do dia 1º de janeiro de 2023 terem tamanho peso. Os discursos de Lula e a entrega da faixa presidencial por representantes de segmentos sociais “invisíveis” para a maioria dos mais privilegiados, inclusive com uma cadela vira-lata, mandaram recados fortes das intenções do presidente para os próximos quatro anos. Tomara que consiga driblar as diferenças que encontrará, assim como o Rei Pelé, que nesse mesmo período foi jogar futebol em outra dimensão, o fez com tamanha maestria. Que nosso governo consiga honrar nosso Rei e driblar os desafios, que tenho a certeza serão imensos. E que não perca o rumo da reconstrução de um Brasil saudável e justo.
A relação com educação ambiental
Alguns pontos desse momento histórico que têm relação com educação ambiental incluem: respeito às diversidades; reconhecimento da importância da proteção da biodiversidade encontrada nos biomas nacionais; e, principalmente, a importância de se formar cidadãos capazes de escolher seus governantes com consciência e responsabilidade.
Temos o hábito de aceitar o que vem pronto, sem questionar. Pois bem, é hora de estimularmos em nossos processos educacionais atenção especial, contínua e incessante a tudo o que ocorre, com vistas à ação, para a defesa do que é ético, evitando o que fere a vida, seja com gente, seja com a natureza e seus elementos. É deixar aflorar a indignação por situações de desrespeito e falta de empatia. A vida precisa ser valorizada de forma ampla para que seja verdadeiramente protegida.
O governo que se inicia traz alguns sinais dessas qualidades, como na escolha de uma líder indígena (Sonia Guajajara), para chefiar o Ministério dos Povos Originários, e outra para comandar a Funai (Joenia Wapichana), um negro (Silvio Almeida) como ministro dos Direitos Humanos, uma mulher preta (Margareth Menezes) para a pasta da Cultura e Anielle Franco (irmã de Mariele Franco) para o Ministério da Igualdade Racial. E, claro, Marina Silva, a guardiã mor da Amazônia e de toda a natureza do Brasil e dos povos tradicionais, que volta ao poder pela terceira vez, tendo estado presente nos dois governos anteriores de Lula, agora mais uma vez no comando do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (nome recém modificado).
Além de todas essas ousadias, “nunca na história desse país” teve tanta mulher ocupando a posição de ministra. Mesmo assim, uma ressalva imperdoável foi a demora da nomeação das duas mulheres que mais ajudaram o candidato a se eleger: Simone Tebet e Marina Silva. Parecia um enorme favor ao invés de ser uma homenagem ao que elas representam. São as agruras da política e do PT, que já traiu Marina no passado e tem medo do carisma de Simone.
Mas a realidade política do Brasil, com suas qualidades e fraquezas devem ser analisadas, para que estudantes tenham a chance de refletir e construir seus próprios conceitos. Esse pode ser um caminho de despertar o potencial individual, alimentando sensos de cidadania, cuidado e empatia, tão necessários neste momento planetário.
O Brasil é um dos poucos, quiçá o único país do mundo, que tem a capacidade de dar exemplo de como se desenvolver com base na sustentabilidade (aliás, ideia defendida por Marina Silva há décadas). Nossa história mostra que temos escolhido rumos contrários a esses princípios, resultando em perdas socioambientais contínuas e nada promissoras. Mas é na educação que pode estar o pilar de reformas estruturais do pensamento e das ações que nos conduzam a nos tornarmos exemplo do que é socialmente justo, ecologicamente sustentável e economicamente viável.
E a educação ambiental é um caminho, por ter em suas bases a expectativa de assumirmos protagonismos com base em conhecimento, valores e habilidades que possam despertar nosso poder transformador e potencial de contribuir para um mundo mais ético. É nossa responsabilidade nos engajarmos em processos que visam um bem maior e um respeito profundo pela vida.
Se essa postura é utópica, tanto melhor. Segundo Leonardo Boff, a utopia “é um estado ideal da condição humana, pessoal e social, que não existe em nenhum lugar, mas que serve para revitalizar qualquer tipo de sociedade, criticá-la e também impulsioná-la para que se modifique e se oriente na direção do ideal apresentado“ (1997:206). Nessa perspectiva, a utopia e o sonho podem estar entre os primeiros passos para sairmos da aceitação sem questionamento, para irmos em direção a rumos mais promissores e éticos, que respeitem a vida como um todo.
Referência
– Boff, L. 1997. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Editora Vozes.
Gostaria de deixar claro que esta é minha posição pessoal e não representa qualquer instituição da qual eu faça parte.
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