Planeta Aves: maior canal do YouTube no mundo sobre ornitologia é brasileiro

Jornalista com MBA Executivo de Administração e especialização em Comunicação Corporativa Internacional. Observadora de aves e escritora de livros infantojuvenis com temática voltada à conservação da fauna
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A entrada de um dos auditórios para palestras neste Avistar – o congresso de observadores de aves, realizado no mês de maio em São Paulo (SP) – estava praticamente bloqueada pela quantidade de pessoas que tentavam passar e tive que ficar em pé, bem no fundo, me espremendo entre os participantes. Entre eles, o palestrante seguinte, que nada mais era do que Rodrigo Agostinho, atual presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, o Ibama. “Me apresentar depois do Menq vai ser um desafio. Ele arrebata multidões”, pensa alto Agostinho.

Fiquei surpreendida, afinal, esperava que o tumulto e as filas seriam para a apresentação do presidente do Ibama, que falaria como biólogo e não como presidente da autarquia. Ele iria abordar o conteúdo de seu mais recente livro sobre espécies de aves extintas e ameaçadas no Brasil.

O que também chamou minha atenção com relação ao frenesi causado pela apresentação do biólogo Willian Menq foi a composição inabitual do público em um evento sobre aves: crianças e adolescentes que, ao final da apresentação, disputavam lugar nas selfies tiradas pelo biólogo.

A razão de seu sucesso sobre esse público chama-se Planeta Aves. É o nome do canal no YouTube criado em 2020, no auge da pandemia de Covid-19, por ele e sua esposa, a também bióloga Jessica Menq.

“Durante a pandemia, percebemos que não havia nenhum canal no YouTube dedicado às aves, em especial às aves do Brasil, e que havia uma oportunidade de explorarmos esse nicho”, me conta Menq, que é ornitólogo, especialista em Ecologia e Comportamento de Aves, Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia) e trabalha como consultor ambiental, fazendo análise de impacto ambiental de empreendimentos, quando sobra tempo, já que o Planeta Aves cresceu tanto, que “boa parte do tempo disponível é hoje dedicado ao canal”, revela ele.

Os números do canal são grandes: de inscritos, chegavam perto dos 800 mil no final de maio; já as visualizações são de impressionantes quatro a cinco milhões por mês, o que faz do Planeta Aves o maior canal de ornitologia no mundo. Maior até do que o canal do Departamento de Ornitologia da Universidade de Cornell, nos EUA, que criou o aplicativo eBird e é a maior referência nessa área.

Linguagem
Uma responsabilidade e tanto se comunicar com tanta gente. E como ele e Jessica chegaram a isso, já que o canal é gerido só pelos dois, sendo ele responsável pelo conteúdo e a apresentação?

“Acho que o sucesso se deve à linguagem que uso nos vídeos, acessível e de fácil compreensão. Não precisa ser especialista em biologia para entender”, arrisca. Ao mesmo tempo, os vídeos contam com embasamento científico e não tem sensacionalismo, coisa que está ficando rara nos dias de hoje.

“Assistindo a outros vídeos no YouTube, percebíamos que havia muita desinformação, gente falando coisas erradas sobre as aves”, diz ele, que virou uma referência em divulgação das aves. Menq explica que sua proposta é informar corretamente e ajudar a promover a educação ambiental e, por consequência, a consciência para a conservação.

Mas uma coisa é fazer sucesso falando de aves entre adultos, biólogos e pessoas que gostam de natureza; outra entre crianças e adolescentes. “Nos surpreendeu”, afirmando que não se pode estigmatizar as crianças e que, por isso, não usa linguagem infantilizada. “Crianças gostam de linguagem mais aprofundada, gostam de aprender, são curiosas”, afirma, sendo modesto. Afinal, seu talento para se comunicar fez toda a diferença para cativar o público e para popularizar a Ciência.

Como muitas crianças não possuem perfil próprio nas redes sociais, Willian e Jéssica não recebiam relatórios destacando esse público. Começaram a observar o crescimento do canal entre o público infantojuvenil pelo feedback que recebiam em seu perfil no Instagram: os pais faziam contato e comentavam como os filhos acompanhavam o canal e gostavam. “Aí percebemos que as crianças estavam nos seguindo. Às vezes, as próprias crianças usam as redes sociais dos pais para interagir conosco”, diz.

Outro público forte do Planeta Aves é o acima dos 50 anos. Segundo Menq, tem gente de 80 e até 90 anos que assiste aos vídeos e acaba interagindo com eles. “Pouco mais de um terço (34%) do público tem mais de 55 anos”, diz, acreditando que, pelo teor das mensagens, essa audiência tem razões saudosistas em relação ao campo e ao interior bucólico. “Acho que nos assistem para matar a saudade do sertão”, diz.

Escolha dos temas
Além da linguagem e do jeito de apresentar, a escolha dos temas dos vídeos também faz toda a diferença no sucesso do canal. Willian e Jéssica trocam ideias de pauta entre si, mas também recebem sugestões de amigos e profissionais do setor.

Quanto ao material audiovisual, 90% é deles; no mais, recebem contribuição de amigos. “Temos um acervo bem grande da avifauna brasileira”, afirma Menq, que é paranaense de Peabiru, mas se considera “meio cigano” por viver em diversos locais, por conta da profissão.

Entre os quadros do canal, que traz vídeos novos todas as quintas-feiras, há o “Passarinhadas”; o “Ornitólogo responde”, em que o biólogo interage com o público; o “Tudo da espécie”; o “Cantos estranhos”, que traz sons que chamam a atenção das pessoas, como o do urutau ou mãe-da-lua (Nyctibius griseus); o “Viajando pelo Nordeste do Brasil”, com foco nas espécies ameaçadas ou endêmicas, como o ameaçado soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni); e o “Apresentando destinos” com diversas regiões do Brasil ou espécies, como, entre outras, o tiriba-do-paranã (Pyrrhura pfrimeri), um dos personagens do meu primeiro livro infantil, Topetinho Magnífico (Ed. Melhoramentos, 2012).

“E os quadros que fazem mais sucesso?”, pergunto. “São aqueles que falam de espécies que as pessoas conhecem, como o bem-te-vi e o joão-de-barro, assim como os sobre as expedições e os que apresentam as vocalizações das aves”, conta Menq.

Outra linha de trabalho do casal Menq, dentro do Planeta, é a divulgação de projetos de conservação, produzidos em parceria com ONGs, como a SAVE Brasil.

Combate a fake news
Ao falar sobre espécies de aves mais comuns e não ameaçadas, o objetivo, além de trazer informações científicas e curiosidades, é desmistificar fake news que possa haver sobre elas. Sim, porque nem as aves parecem escapar das notícias falsas. Uma dessas é de que o joão-de-barro (Furnarius rufus) manteria a fêmea trancada na casinha no caso de traição. “É lenda!”, reforça ele.

No vídeo do joão-de-barro, Menq mostra como o casal de passarinhos construtores faz seu emblemático ninho, como ele é por dentro e sua resistência.

Outras aves bastante vítimas de mitos e crendices são as corujas. Por sinal, conheci Menq durante um curso dele sobre aves de rapina, tema de seu mestrado e de um website, lançado em 2007. Naquela época, ele já exercitava esse seu lado didático.

Biodiversidade
O interesse da dupla de biólogos é divulgar as espécies – ameaçadas ou não – e levar as mensagens de conservação a um maior número de pessoas. “Quanto mais crianças e jovens conseguirmos atingir, melhor para a biodiversidade”, conta, mencionando, além do já citado soldadinho-do-araripe, a também ameaçada arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari). “Muita gente teve contato com essas espécies ameaçadas da nossa avifauna pela primeira vez pelo canal”, diz, com orgulho.

Além do orgulho e da satisfação pelo reconhecimento, há muita emoção envolvida nesse trabalho de produzir o Planeta Aves. “Recebemos comentários emocionantes, como um seguidor que escreveu que estava com depressão e que o canal caiu como uma luva para ele encontrar alegria e ficar mais animado. Tem ainda gente que comenta que se interessou em observar aves por causa do canal, pessoas que começaram a ter mais contato com a natureza e a valorizá-la…”, enumera. Sem falar no filho do cacique de uma tribo do Rio Grande do Sul, que mandou mensagem dizendo que acompanhava e gostava do canal, mostrando que ele também atinge populações indígenas.

Convido você a conhecer o canal e maravilhar-se também!

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