Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac-MS
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Olá a todos! O último artigo da coluna Photo Animal foi a parte final de uma série de três, em que fiz um apanhado geral sobre fotografia de aves em voo. Neste novo material, quero abordar a fotografia de aves de rapina, como falcões, gaviões, águias e outras. Mas, antes de entrar nos aspectos técnicos da coisa, tenho que responder uma pergunta que vem à cabeça quando o assunto é aves de rapina:
Por que fotografar rapinantes?
Bom, para uma pergunta dessas, creio que a resposta seja pessoal. Mas a minha é, basicamente, uma resposta científica: as aves de rapina possuem um papel chave no equilíbrio ecológico das áreas onde vivem. Por serem predadoras, exercem uma influência estabilizadora nos ecossistemas, controlando a população de presas e de alguns animais que os humanos erroneamente chamam de “pragas”. Dessa forma, auxiliam na manutenção de altos índices de diversidade.
A comunidade envolvida na teia alimentar de um único espécime é composta por várias espécies de produtores e consumidores de diversas ordens. Dessa forma, a eliminação de uma ou mais espécies de rapinantes de um determinado ambiente causa uma série de desequilíbrios ecológicos, como a superpopulação de presas, escassez de recursos, etc.
Algumas espécies regulam a população de animais de interesse ao homem, como roedores, pombos, aranhas, escorpiões e cobras. Outras, como os urubus, alimentam-se de carniça, sendo responsáveis pela eliminação de 95% das carcaças de animais mortos na natureza. Olha que beleza isso!
As aves de rapina são ótimas bioindicadoras de alterações ambientais e da qualidade do hábitat devido a sua sensibilidade à contaminação na cadeia alimentar e a impactos antrópicos (os causados pela ação do homem). Também podem ser utilizadas como "espécies-bandeira" para programas mais amplos de conservação, já que alguns rapinantes possuem grande apelo popular. Em ações de educação ambiental com crianças e comunidade em geral, gaviões e corujas, por exemplo, são ótimos pois despertam fascínio e admiração.
Os hábitos, a biologia e o comportamento podem servir de base para ensinar muitos temas de ecologia, conservação, evolução, matemática, etc. Apesar da importância ecológica e do apelo social, pouco se sabe sobre a ecologia das aves de rapina do Brasil, pois existem poucas pesquisas dedicadas ao grupo. Desse modo, o desenvolvimento de estudos voltados à ecologia e à biologia de rapinantes é de fundamental importância para desenvolver estratégias de conservação. Daí a grande importância em se registrar essas aves em ação, onde estaremos contribuindo para o desenvolvimento de estudos das mais diversas espécies.
Mas vamos ao que interessa!
Neste artigo seguem algumas dicas importantes para observadores de aves, fotógrafos e ornitólogos interessados em observar ou fotografar rapinantes, no caso os de comportamento diurno. Os de comportamento noturno serão tema de outro material na sequência.
Como observar
Bom, para começar é preciso definir o objetivo: se você deseja procurar uma espécie em específico ou um grupo ou lista de espécies; se você pretende fotografar as aves em voo ou pousadas, se alimentando, por exemplo, etc. É através desse objetivo que será determinado o método de procura, o local e o período para observação dos rapinantes.
Quanto aos tipos de locais das espécies, temos várias divisões de localidades para se encontrar essas aves. Vou detalhar uma por uma a seguir.
Ponto fixo – O ponto fixo é indicado principalmente para observadores interessados em registrar espécies de rapinantes florestais ou fazer listas de espécies nesse ambiente (devido à riqueza e à densidade populacional). O método consiste em fazer um ponto de observação em um determinado local, permanecendo por um longo período da manhã (com atenção especial aos horários das térmicas, quando o ar quente na altura do solo sobe ao céu), registrando as espécies que se aproveitam desse momento para se movimentar. O ponto deve ser escolhido em um local adequado com um bom campo de visão, como na borda de uma floresta, no alto de uma torre de observação, em uma trilha suspensa, interior de vales, encostas, etc.
No ponto fixo, os encontros com os rapinantes serão basicamente com as aves em voo, por isso é necessário o uso de câmeras com teleobjetivas de longo alcance e binóculos. É um método que demanda muito esforço e paciência, sendo que muitas vezes é necessário permanecer no local por mais de 4 horas para visualizar espécies comuns e, com sorte, uma rara. Para tornar-se menos cansativo, recomenda-se reunir um grupo de pessoas e ir revezando a observação na procura dos rapinantes.
Transectos a pé – As transecções (um intervalo entre uma área de mata e outra) são indicadas para registrar espécies que gostam de campo aberto, sendo naturais ou em parques dentro da área urbana. Nesses locais, o observador percorre uma trilha a pé para localizar e registrar os indivíduos. O mais importante na transecção é o trajeto escolhido, como trilhas no interior de florestas, que são interessantes para procurar espécies estritamente florestais que não planam, como os falcões-florestais (Micrastur spp) e os tauatós (Accipiter spp). Trilhas em bordas de florestas são as melhores, resultando em excelentes registros. Tanto as bordas das florestas quanto as áreas abertas próximas são muito utilizadas por espécies florestais. O gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), por exemplo, costuma sobrevoar bordas de mata e áreas abertas próximas (campos e savanas) para caçar aves e pequenos mamíferos. O ideal é realizar essas trilhas assim que amanhece ou no final da tarde, quando essas espécies estão mais ativas.
Rotas por veículos/barcos – As rotas por veículos/barcos utilizam os mesmos princípios da transecção realizada a pé, porém com a utilização de um carro, moto ou barco. É indicada para procurar espécies de áreas abertas ou de bordas de matas. A grande vantagem desse método é a possibilidade de cobrir uma grande área em menor tempo. Além disso, as aves de rapina são mais tolerantes a aproximação de veículos, o que facilita a observação.
As rotas utilizadas geralmente são estradas e trilhas pré-existentes, pequenos cursos de água e rios. É importante que a rota determinada apresente baixo movimento de carros, barcos, ruídos e pessoas, pois são fatores que atrapalham o avistamento das aves. Para execução desse método, é necessário o auxílio de outra pessoa para conduzir o veículo, deixando o observador livre para se dedicar à procura dos rapinantes. Recomenda-se que a velocidade fique entre 25 a 30km/h.
O uso de barco é recomendado para procurar espécies que habitam ambientes aquáticos ou áreas de difícil acesso por terra.
Playback – Consiste no uso de caixas de som Bluetooth para reproduzir a vocalização de determinada espécie de ave, no intuito de atraí-la para a fotografia ou filmagem. Recomendo o uso com parcimônia só por guias experientes, biólogos ou ornitólogos.
Quando observar aves de rapina
Período do dia – De maneira geral, o melhor horário para se observar a maior parte das espécies de rapinantes diurnos é entre o fim da manhã e início da tarde. Nesse período, as correntes de ar ascendentes estão mais favoráveis e essas aves aproveitam para planar, seja em deslocamento pelo seu território ou para rastrear possíveis presas.
Esse momento é conhecido como “horário das térmicas” ou “horário dos gaviões”. É nessa hora que muitas espécies podem ser registradas em voos circulares, como as águias-florestais, tipo o gavião-pato (Spizaetus melanoleucus), até os menores e mais discretos como o gavião-bombachinha (Harpagus diodon).
É imprescindível prestar muita atenção, pois várias espécies costumam voar muito alto, passando despercebidas pelos observadores ou sendo confundidas com urubus ou outras espécies comuns. Vale lembrar o que o horário dessas correntes de ar varia de acordo com cada região do país. Na maior parte das áreas de florestas do sul e sudeste, o pico de atividade começa às 9h e se estende até às 13h. Em regiões mais quentes, esses rapinantes têm atividades aéreas um pouco mais cedo. Nas regiões mais frias, eles podem estar ativos somente a partir das 10h, se estendendo até perto das 15h. Após esses horários, fica difícil encontrar algum rapinante em voo aproveitando dessas correntes de ar.
Período do ano – A época do ano em que os rapinantes são mais ativos é nas semanas que antecedem o início do período reprodutivo (nidificação), que varia de acordo com a região do país (julho e agosto no sul/sudeste). Nesses meses, as aves são vocalmente mais ativas e fazem exibições aéreas, além de começar a delimitar territórios e a construir e reformar seus ninhos. É um período interessante para procurar espécies raras que planam com menor freqüência, como o gavião-de-penacho (Spizaetus ornatus).
Em relação às espécies migratórias, é importante conhecer o período em que elas permanecem no Brasil. O falcão-peregrino (Falco peregrinus) e o gavião-de-asa-larga (Buteo platypterus) só são encontrados por aqui entre outubro e abril. Com exceção das espécies migratórias, qualquer época do ano é favorável para a observação de rapinantes, pois, nesses casos, o período do dia influencia mais do que o período do ano.
No próximo artigo, continuarei a abordagem sobre o tema, com muito mais informações e dicas de fotografia.
Grande abraço e até lá!
Fonte: Willian Menq – Dicas para observação de aves de rapina diurnas