Colocar o bem-estar dos animais em primeiro lugar deve ser o objetivo de todo fotógrafo de vida selvagem. E os profissionais da National Geographic compartilham dicas de como eles fazem isso.
Por Marcelo Calazans
Técnico em agropecuária, administrador de empresas e fotógrafo. Foi professor da disciplina Fotografia de Natureza pelo Senac-MS
photoanimal@faunanews.com.br
O texto a seguir é uma tradução livre do original de Melissa Groo, intitulado “How to photograph wildlife ethically” e publicado em 31 de julho de 2019 no site da National Geographic.
Ele contém material sobre a conduta de observadores e fotógrafos de vida selvagem de outros países que não o Brasil. Mas muito do que está escrito pode e deve ser adaptado para cá – as regras de conduta, principalmente. Espero que esse material sirva de orientação para muitos que já exercem a atividade e para quem está começando agora.
Boa leitura!
“Fotógrafos têm ferramentas, oportunidades e alcance infinitos para encontrar os animais a serem registrados. Ao mesmo tempo, animais selvagens enfrentam ameaças sem precedentes à sua sobrevivência. A perda de habitat, a mudança climática, o comércio ilegal e a caça, a pesca excessiva e a poluição causaram o declínio catastrófico de pássaros, insetos, mamíferos, répteis e anfíbios nas últimas décadas. Um recente relatório das Nações Unidas descobriu que uma em cada quatro espécies enfrenta a extinção. Além disso, a desconexão da sociedade moderna em relação à natureza apresenta sua própria ameaça, uma cultura de indiferença. Levamos vidas virtuais, conectados a dispositivos em vez de estarmos ligados ao que nos cerca, no ar livre.
A fotografia de vida selvagem tem o poder de atrair as pessoas para as maravilhas da natureza. É uma ferramenta essencial para inspirar o desejo de proteger a vida selvagem e desencadear mudanças reais. As fotos podem se tornar virais nas mídias sociais em poucos minutos, trazendo a atenção necessária para a crise da vida selvagem.
Ao mesmo tempo, as mídias sociais unem aqueles que buscam capturar visualmente a natureza de maneira honesta e cuidadosa, diferente daqueles que tomam outros caminhos, interessados apenas em mais curtidas e seguidores. Os espectadores não podem ver a diferença.
Mas então, o que significa ser um fotógrafo de vida selvagem ético?
“A ética da fotografia de vida selvagem é a mesma ética da vida e tudo gira em torno do respeito”, diz a fotógrafa da National Geographic, Beverly Joubert, que passou décadas fotografando a vida selvagem na África. Existem algumas regras únicas e muitas áreas ainda vazias sobre o assunto. O que é ético para um pode ser antiético para outro. Devemos ser guiados pela compaixão e conservação, e colocar o bem-estar do assunto em primeiro lugar sempre.
Embora não haja um manual, existem alguns princípios básicos que podem ajudar a tornar o caminho mais claro.
1 – Não faça mal!
Não destrua ou altere o habitat para uma melhor visão da cena. Deixe os animais cuidarem de sua vida e de si mesmos. Não busque sua atenção ou interação. Tome especial cuidado na época de reprodução. Conheça os sinais de estresse das espécies que pretende registrar.
Não há dúvidas de que causamos algum tipo de impacto quando nos aventuramos no território dos animais selvagens. Nós procuramos ou tropeçamos em seus abrigos e tocas, seus locais de alimentação e coleta. Isso significa que nunca devemos sair e registrar esses animais? Absolutamente não! A natureza precisa de nossas histórias, agora mais do que nunca! Mas a natureza também precisa que tenhamos um nível elevado de consciência de nossos efeitos.
O fundador e fotógrafo da National Geographic Photo Ark, Joel Sartore, enfatiza que o primeiro princípio deve ser “não fazer mal”. Em um nível básico, isso significa não destruir o habitat para criar uma cena mais pitoresca. Isso significa não fazer com que a vida selvagem pare de caçar, comer e descansar, ou de ameaçar ou atacar você.
Época de reprodução requer cuidados especiais. Evite ações que possam resultar em afastar os pais dos jovens, o que os deixa desprotegidos para predadores e os elementos do tempo. Nunca altere a vegetação em torno dos ninhos ou tocas, pois ela fornece camuflagem bem como proteção contra o sol, o vento e a chuva.
Devemos observar continuamente o comportamento do animal a ser registrado para perceber quando precisamos recuar ou ir embora. Estudar antecipadamente os hábitos das espécies-alvo é o melhor meio que temos para reconhecer o alarme ou comportamentos de fuga dessas espécies.
2 – Mantenha-se “invisível”
Seja cauteloso quando animais selvagens estiverem se alimentando. Não os alimente. Evite habituar os animais à presença humana.
A coisa mais gentil que podemos fazer por eles é honrar e ajudar a manter seu estado selvagem. A maneira mais rápida de comprometer essa selvageria é oferecer comida para que possamos tirar uma foto. O site do Parque Nacional de Yellowstone afirma claramente: “Um animal alimentado é um animal morto – bom ou ruim, o Serviço de Parques eliminará os animais que estão habituados ao contato humano e à comida”.
Predadores como raposas, coiotes, lobos, ursos, corujas e outros raptores aprendem rapidamente a associar seres humanos a alimentos. Eles podem se sentir confortáveis em se aproximar dos humanos em busca de comida e, se eles ficarem ousados demais ou agressivos, as agências de controle da vida selvagem muitas vezes os matam. Os animais também podem freqüentar as estradas, já que muitas pessoas os alimentam de dentro dos carros, colocando-os em risco, pois podem ser atropelados.
E quanto aos ursos selvagens, lobos e outras espécies em lugares como a Romênia e a Finlândia, onde oferecem comida próximo a locais para favorecer fotógrafos? Isso se tornou um grande negócio no leste e no norte da Europa. A única desvantagem observada até agora é que essas imagens são falsas: aquelas fotos de ursos e lobos saindo juntos como “amigos” só são possíveis porque simplesmente estão perto de tanta comida que não precisam competir entre eles pelo alimento.
Então, quando é aceitável usar alimento para atrair animais a serem fotografados? Não há uma resposta definitiva, mas as perguntas a seguir podem ajudar a orientá-lo.
1 – Alimentar este animal irá mudar seu comportamento de maneira prejudicial? Se ele vive ou migra para uma área onde possa ser caçado, alimentá-lo pode habituá-lo aos seres humanos e torná-lo um alvo fácil. Ou ele pode tornar-se ousado demais ao se aproximar de pessoas em busca de comida, o que pode levar as autoridades ambientais a matá-lo.
2 – A comida é apropriada e segura? Por exemplo, fornecer alimento em comedouros para os pássaros significa assumir as responsabilidades de limpá-los regularmente para evitar a disseminação de vírus e parasitas, colocando-os a uma distância segura de janelas para evitar conflitos das aves com seus reflexos, e sempre manter animais domésticos longe desses comedouros.
3 – A alimentação desse animal viola alguma lei? É ilegal alimentar animais selvagens em parques nacionais. A maioria dos estados tem leis que proíbem a alimentação de certas espécies como veados, ursos e alces, como Nova York. Mesmo os municípios locais podem ter suas próprias leis. As penalidades variam de multas a até prisão.”
Continua no próximo artigo, pessoal!
Até lá!