
Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Em agosto, pesquisadores brasileiros publicaram um artigo sobre atropelamentos de animais silvestres nas estradas e rodovias brasileiras na revista científica Biodiversity, da organização canadense Biodiversity Conservancy International. Os pesquisadores Helio Secco e Pablo Rodrigues Gonçalves, ambos do Núcleo em Ecologia e Desenvolvimento Sócio-Ambiental de Macaé da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUPEM/UFRJ), e Clarissa Alves da Rosa, do Instituto Alto Montana, abordaram a dimensão dos atropelamentos no país (475 milhões de espécimes morrem, anualmente, segundo o Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas) e alguns dos problemas dos processos de licenciamento ambiental desses empreendimentos.
Além de apontarem os problemas, eles apontaram a necessidade da aprovação do projeto de lei 466/2015, que desde março de 2016 está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados. O PL, de autoria do deputado federal Ricardo Izar (PSD/SP), determina a implantação de medidas para a redução de atropelamentos de animais nas rodovias e ferrovias, bem como a criação de um banco de dados nacional com registros de casos para consulta do poder público e de pesquisadores.
O Fauna News entrevistou o pesquisador Helio Secco sobre o artigo publicado na Biodiversity e o problema dos atropelamentos de animais silvestres nas estradas e rodovias brasileiras.
Fauna News – Na edição de agosto da revista científica da Biodiversity, vocês publicaram o artigo de opinião “Crise da Biodiversidade nas Rodovias Brasileiras”. A intenção desse trabalho foi tentar que o projeto de lei 466/2015 seja votado na Câmara dos Deputados?
Helio Secco – O foco principal do artigo foi exatamente esse, mas precisávamos buscar uma forma de “apelo” que tivesse um cunho científico e uma percepção prática do que está acontecendo no dia-a-dia das rodovias brasileiras.Então, unimos esses dois aspectos através desse texto publicado nesse espaço destinado a artigos de opinião da revista Biodiversity.
Fauna News – Qual o principal foco desse PL para evitar e reduzir atropelamentos de animais silvestres em rodovias?
Helio Secco – O PL prevê uma série de medidas que irão contribuir para a proteção da fauna nas rodovias brasileiras, bem como aumentar o nível de conhecimento do impacto causado pelos atropelamentos. Entre as principais ações a serem adotadas destaca-se a exigência de implantação e monitoramento de medidas de mitigação ao atropelamento de fauna em rodovias ou ferrovias que estejam em contato com áreas ambientais protegidas, bem como a criação de um cadastro nacional integrado com os registros de animais silvestres atropelados que tenha um banco de dados público para usufruto de qualquer cidadão.
Fauna News – Com certeza, mesmo em caso de o PL ser transformado em lei, os atropelamentos de animais silvestres em estradas e rodovias continuarão a ser um problema de grandes dimensões. Além de melhorias na legislação, o que vocês acham que falta para que haja uma considerável redução na quantidade de mortes? Melhorias de infraestrutura das estradas, mudanças no licenciamento ambiental, conscientização de motoristas…
Helio Secco – Passa por um pouco de cada coisa que você citou. Mas além desse mecanismo legal que poderá ser oferecido por meio dessa lei, caso seja aprovada, é fundamental que haja uma atualização no licenciamento ambiental e nas atribuições de todos os atores envolvidos na implantação/operação de um empreendimento viário. No âmbito de rodovias administradas pelo próprio poder público, a adoção de qualquer medida de mitigação ou proteção ambiental é escassa. No caso de rodovias administradas pela iniciativa privada, o que vemos hoje é uma empresa concessionária assumindo a gestão de uma rodovia e também o risco posterior do licenciamento ambiental das obras previstas culminar em alterações significativas no projeto previsto para o empreendimento. Essas alterações, em função de aspectos ambientais apontados nos estudos, podem acarretar em um redimensionamento dos custos, fugindo assim do escopo original do projeto licitatório que levou aquela determinada empresa a assumir a concessão. Casos assim são recorrentes no Brasil, onde o empreendedor tende a se respaldar nos termos contratuais previstos na licitação para não assumir esse passivo.
Diante disso, infelizmente, percebe-se a repetitiva omissão por parte do poder público, na qualidade do Ministério dos Transportes, em buscar uma resolução que atenda, de fato, ao interesse público, acarretando em enormes imbróglios judiciais.
Fauna News – No artigo, vocês destacam a situação dos atropelamentos de fauna nas estradas e rodovias brasileiras e o contexto da América do Norte e Europa. Qual a diferença e por que há essa diferença?
Helio Secco – Além de diferenças culturais, creio que no Estados Unidos e em países europeus, como por exemplo a França e a Suécia, as rodovias começaram a chamar mais atenção sobre a problemática da fauna atropelada devido à recorrência de eventos de colisões entre veículos e mamíferos de grande porte típicos dessas regiões (ursos, alces, cervos e canídeos) com vítimas humanas. Ou seja, a repercussão negativa da eventual morte de motoristas devido à presença de animais silvestres na pista, bem como os custos associados ao atendimento médico e a manutenção operacional da rodovia, fizeram os tomadores de decisão perceberem que valia a pena investir em estruturas de mitigação ao atropelamento de fauna, tais como as passagens de fauna e as cercas de proteção.
Fauna News – 475 milhões de animais silvestres mortos, todos os anos, por atropelamentos em estradas e rodovias no Brasil é um massacre. O Brasil começou tarde a se preocupar com essa situação, por isso o problema tem tal dimensão?
Helio Secco – A Ecologia de Rodovias (Road Ecology) é uma ciência relativamente recente no mundo todo e, especialmente no Brasil, ela começou a ganhar corpo apenas nos últimos 10 anos aproximadamente. Do final dos anos 2000 para cá, o tema começou a atrair a atenção de pesquisadores de diversas áreas e ganhar maior notoriedade junto à veículos de imprensa e à sociedade em geral. Acredito que as alarmantes taxas de atropelamento identificadas nesses estudos conduzidos nos últimos anos em diferentes regiões do Brasil já ocorriam no passado e vieram se agravando devido à expansão e modernização da malha rodoviária e aumento do número de veículos em uso.
A preocupação em maior escala é um reflexo direto do aumento e aprimoramento das pesquisas e estudos técnicos e consequente divulgação de seus resultados, o que me leva a acreditar que se tivéssemos começado a dar atenção ao tema antes, mais cedo teríamos concebido a magnitude desse impacto sobre a biodiversidade e provavelmente já estaríamos com nossas rodovias melhor adaptadas e mais sustentáveis.
Fauna News – O poder público está sensível ao problema dos impactos das estradas e rodovias sobre a fauna? Se já é difícil mitigar os atropelamentos, que é o impacto mais visível, como sensibilizar os administradores para pensar e atuar sobre impactos em rotas migratórias, alterações de hábitos alimentares, influência de elementos poluidores, etc.?
Helio Secco – Assim como tudo em um sistema democrático, o confronto de ideias e argumentos técnicos é necessário até o amadurecimento de um consenso majoritário. Por mais que existam representantes do poder púbico sensíveis ao tema, parte do problema reside na morosidade do rito burocrático para viabilizar todo esse processo de debate dentro de nossas instâncias legislativas e, além disso, a evidente falta de prioridade dada a pautas ambientais frente à outras relacionadas a temas sociais e econômicos. Mas tenho a percepção de que, de pouco em pouco, estamos avançando por meio de inciativas bem intencionadas dentro do Ministério do Meio Ambiente, universidades, institutos de pesquisa, terceiro setor, e iniciativa privada, os quais, conjuntamente, vêm fortalecendo a Ecologia de Rodovias no Brasil.
Nesse momento, a prioridade é tentar estancar a mortalidade provocada pelos atropelamentos, pois é o principal impacto direto na redução de populações naturais. Todavia, os impactos indiretos também são atenuados parcialmente por meio da mitigação ao atropelamento, ainda que precisem ser melhor estudados para que possamos propor medidas dedicadas especificamente a eles futuramente.
Fauna News – É possível ser otimista para o futuro?
Helio Secco – Acho que todos nós, profissionais que atuam de alguma maneira atrelados à biodiversidade, deveríamos buscar contribuir em nosso dia-a-dia com a conservação dela a partir das ferramentas que estiverem ao nosso alcance. Não é uma questão de otimismo, é uma questão de se sentir útil à um propósito maior.
– Acesse o artigo “Crise da Biodiversidade nas Rodovias Brasileiras”, publicado na revista Biodiversity (em inglês)
– Conheça o PL 466/201